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Em defesa dos direitos dos homossexuais, atletas deveriam boicotar jogos de Sochi 2014?
SIM
Políticos empenhados na restrição das liberdades individuais e na discriminação negativa de minorias étnicas e sexuais não são exclusividade do Brasil. Com a globalização dos mercados e dos vírus, globalizam-se também as idéias fascistas. Em junho de 2013, o presidente russo, Vladimir Putin, promulgou lei que proíbe “propaganda da homossexualidade” – o fato de a presidenta Dilma Rousseff ter usado essa expressão para se referir ao projeto Escola sem Homofobia não é mera coincidência, portanto – com penalidades que vão de multas até a detenção de estrangeiros. Esta lei é um atentado à liberdade individual e, antes, uma estupidez, já que um movimento político internacional que luta pela garantia de direitos, igualdade e respeito para a população LGBT não pode ser chamado de “propaganda”.
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Às vésperas do início dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi 2014, Putin disse ainda, em entrevista, que a lei proibia a “pedofilia” e pediu que os homossexuais “deixassem as crianças em paz” durante os Jogos Olímpicos. Ora, essa declaração infeliz e eivada de preconceitos se insere nos esforços históricos feitos pela sociedade heteronormativa para associar a homossexualidade à pedofilia, quando, na verdade, o abuso sexual de crianças é praticado com mais frequência por homens heterossexuais contra meninas.
Putin sabe disso, mas recorre a essa difamação antiga para justificar as restrições das liberdades em seu país e para desviar a atenção da população de seu país para o que menos interessa, já que ele não consegue resolver os problemas econômicos e de corrupção em que está metido seu governo. Mais ou menos o que faz a bancada de parlamentares fundamentalistas cristãos no Brasil: usar a homofobia como cortina de fumaça que esconda suas tenebrosas transações.
Agência Efe
Nas ruas da Rússia, ativistas protestam contra lei que proíbe “progaganda gay”
Acontece que o posicionamento de Putin respalda a ação de grupos de ódio no país que, com impunidade, atacam gays e lésbicas, submetendo-os à humilhações e violências físicas que são filmadas e disponibilizadas virtualmente.
Ativistas LGBT que se manifestavam nas ruas da capital, Moscou, e em outras cidades do país antes da aprovação da lei já eram vítimas de ataques em praças públicas e de detenções policiais arbitrárias, mas a violência e repressão aumentaram com a atual legislação.
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Desde então se iniciou, em diversos países, um movimento de protesto contra a lei russa que resultou no aproveitamento dos Jogos Olímpicos de Sochi para denunciar a onda de violência homofóbica no país e buscar a revogação da lei que viola o princípio nº 6 da Carta Olímpica Internacional que diz: “Toda e qualquer forma de descriminação relativamente a um país ou a uma pessoa com base na raça, religião, política, sexo ou outra é incompatível com a pertença ao Movimento Olímpico”.
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O Comitê Olímpico Internacional tem por obrigação observar seus próprios princípios antes de escolher países-sede das Olimpíadas, um evento que celebra a diversidade e a pluralidade cultural através do desporto. Graças à ação de ativistas do mundo inteiro, as empresas que patrocinam oficialmente os Jogos de Sochi e o COI se viram pressionados a condenar a lei; e os atletas olímpicos se viram intimados a boicotar os jogos ou a fazerem defesa pública dos direitos LGBT durante a competição, violando assim a lei russo de propósito.
Não é fácil para um atleta decidir arriscar perder seu patrocínio em razão de um ato político em defesa dos direitos de uma minoria, mas, assim como, em 2013, eu deixei a Comissão de Direitos Humanos e convenci meus colegas parlamentares de que era a melhor estratégia para deslegitimar o espaço da Comissão – e o tempo mostrou que eu estava certo em minha estratégia – acredito que os atletas olímpicos também não deveriam se apresentar às Olimpíadas de Sochi, evento que é tido por Putin e pelo governo russo como a oportunidade de ouro para reformular a imagem da Rússia desde a União Soviética.
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No Brasil, depois de derrubada do Escola sem Homofobia, o governo Dilma, através do Ministério da Saúde, suspendeu políticas públicas necessárias à cidadania plena de homossexuais, como, por exemplo, o vídeo de prevenção ao HIV do Carnaval em 2012 e a cartilha educativa sobre a Aids, gravidez precoce e diversidade sexual.
Discursos que desumanizam e estigmatizam a população LGBT sustentam e justificam todo tipo de violência sofrida por gays, lésbicas e transexuais. Não por acaso o Brasil, infelizmente, se destaca como campeão mundial de assassinatos de LGBTs em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero: em 2013 foram 312 homicídios, segundo dados do Grupo Gay da Bahia. Em São Paulo ressurgiu uma nova onda de ataques a homossexuais. Um grupo de agressores detidos pela polícia confessou que suas vítimas preferenciais eram homossexuais que deixavam casas noturnas no centro da cidade.
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Este ano seremos sede da Copa do Mundo e, em 2016, das Olimpíadas. Levar uma mensagem contra a homofobia e o racismo seria o grande diferencial e o maior legado que estes megaeventos poderiam deixar para o nosso país, mais do que a construção de estádios. Nosso Brasil é maravilhoso pela mistura de etnias, somos filhos de brancos, negros e índios; somos diversos sexualmente.
Poderíamos, então, mostrar orgulho dessa diversidade cultural e fazer uma Copa e uma Olimpíada contra a intolerância.
A maneira de o COI dar um passo no enfrentamento da homofobia, seja na Rússia, seja no Brasil, é tratar dela da mesma forma como vem tratando o racismo. Isto pode promover uma transformação de médio a longo prazo no comportamento dos clubes, dos atletas e das torcidas.
Divulgação
Como disse Madonna ao criticar Putin durante discurso no Amnesty International Concert, em Nova York, é hora de sermos corajosos e nos rebelarmos contra líderes e organizações que não respeitam os direitos humanos, perpetuam a opressão, discriminação e injustiça porque nós temos uma obrigação moral de apoiar a todos que estejam sendo perseguidos apenas por sua etnia, sexualidade ou religião nas nossas ruas e do outro lado do mundo.
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Já que as idéias fascistas estão globalizadas, as soluções de políticos reacionários para conter a contestação popular a seus governos autoritários são muito parecidas. Na Rússia, Putin decretou que os cidadãos devem pedir autorização aos órgãos responsáveis para exercerem o direito de se manifestarem publicamente durante a realização dos Jogos Olímpicos. No Brasil, o Ministério da Defesa publicou uma portaria que institui o “Manual Unificado das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem (GLO)” que deve ser utilizado durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas o Brasil. O manual considera os movimentos sociais como uma “força oponente”, colocando-os ao lado de organizações criminosas. Ou seja, lá e aqui, recorre-se à criminalização dos movimentos sociais.
A Rússia é aqui?
(*) Jean Wyllys é deputado federal pelo Psol, escritor, professor universitario e colunista da revista Carta Capital
*Os artigos publicados em Duelos de Opinião não representam o posicionamento de Opera Mundi e são de responsabilidade de seus autores