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Brasil e França surpreenderam o mundo em 11 de dezembro ao anunciarem, em Paris, a intenção de propor à ONU (Organização das Nações Unidas) a criação do Conselho de Segurança da Estabilidade Econômica e Social. O presidente francês, François Hollande, explicou que o novo órgão, se implementado, terá a função de garantir que nenhum país adote uma política de reforma econômica sem um estudo sobre os impactos nos índices de desemprego e pobreza da população.
No cargo desde maio deste ano, Hollande alterou a correlação de forças dentro da União Europeia no que diz respeito às propostas de solução para a crise econômica que aflige o continente. Se o antecessor, Nicolas Sarkozy, andava de braços dados com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, na exigência de políticas de rigor fiscal, o novo presidente da França vem defendendo medidas que resultem em crescimento econômico.
Antes mesmo de ser eleito e tomar posse, Hollande já tinha uma aliada importante fora da Europa: a presidente brasileira Dilma Rousseff. As constantes críticas às políticas das potências ocidentais de enfrentamento à crise são uma das principais marcas da relação do governo com esses países. Desde o início do mandato, por diversas oportunidades defendeu o modelo brasileiro de investimento público e estímulo ao consumo interno como alternativa à austeridade fiscal que, isoladamente, só contribuiria para aumentar a pobreza. Na ocasião do anúncio da proposta de criação do novo conselho, antes de uma reunião bilateral entre Brasil e França, ela reforçou sua posição.
Roberto Stuckert Filho/Presidência da República (09/04/2012)
Dilma Rousseff cumprimenta o presidente dos EUA, Barack Obama, durante encontro na Casa Branca
Mas o alvo de Dilma não é somente a austeridade fiscal. Os ataques da presidente brasileira miram também a injeção maciça de recursos no sistema financeiro dos países centrais, o que contribui, em última instância, a sobrevalorizar as moedas das nações emergentes em relação ao dólar norte-americano, afetando suas exportações.
Uma semana depois de a proposta franco-brasileira ter sido divulgada, o Itamaraty apresentou uma denúncia na OMC (Organização Mundial do Comércio) sobre a política comercial dos Estados Unidos nos últimos anos. Para o Brasil, o país norte-americano vem adotando uma política deliberada de desvalorização de sua moeda com o intuito de beneficiar suas exportações.
Citando o informe da própria OMC apresentado na ocasião, o embaixador brasileiro no organismo apontou que, enquanto entre 2002 e 2008 o dólar se desvalorizou cerca de 25%, entre 2009 e 2011 a desvalorização foi de 16%. O resultado, segundo o Itamaraty, foi a transformação do superávit de seis bilhões de dólares do Brasil com os EUA em um déficit de 4 bilhões de dólares em cinco anos.
Dessa forma, com o objetivo de proteger certos setores de sua indústria, o governo brasileiro vem promovendo o aumento das tarifas de importação sobre alguns bens, medidas qualificadas como “protecionismo” pelos países desenvolvidos.
Reordenamento do poder global
“As acusações de protecionismo são uma represália dos países do Norte a essa atuação de liderança do Brasil e às criticas apresentadas ao modelo vigente. São tendências que apontam o reordenamento do poder econômico e político global e as tensões por isso geradas nas relações bi e multilaterais”, opina Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Na visão do diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, a “aliança” entre Dilma e Hollande e a participação ativa do governo brasileiro nas discussões econômicas mundiais não são surpresa. Para ele, o Brasil tem sua opinião cada vez mais ouvida em consequência da atitude “altiva” do país desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Além disso, as nações centrais têm um enorme interesse no mercado brasileiro. Os jornais de economia anunciam a todo instante novos investimentos estrangeiros no Brasil. Aqui as condições são melhores para eles. Então falar de protecionismo e instabilidade é absurdo”, completa.
Elza Fiúza/ABr
O embaixador Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Itamaraty, é categórico. Segundo ele, a característica mais notável da diplomacia pública de Dilma nos seus dois anos de mandato é justamente sua capacidade de atuar pessoalmente no debate econômico global.
[Embaixador Tovar da Silva Nunes]
“Ela fez diferença, marcou espaço. Não passou a ser exatamente seguida, já que não estamos ditando nada. Mas seu conhecimento de economia e a posição que o Brasil conseguiu atingir na ordem mundial alçaram a diplomacia econômica brasileira ao patamar de uma das dez mais ouvidas do mundo. Isso é significativo.”
Já o cientista político Tullo Vigevani, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), não é tão otimista. Para ele, as declarações de Dilma não produzem efeito algum, e nenhum país isoladamente teria a capacidade de produzir modificações nas políticas dos países desenvolvidos e seus bancos centrais. “É importante do ponto de vista da presença internacional o exercício da crítica. Daí a que ela seja levada em consideração há um espaço grande que ainda não foi preenchido”, opina.
O professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC Igor Fuser concorda. “Nada disso significa, evidentemente, alterações no sistema mundial. O Brasil continua o mesmo país periférico de sempre – apenas agora ficou mais rico e tem um governo menos disposto, em comparação com os anteriores, a baixar a cabeça diante do diktat de Washington e Wall Street”.
Segundo ele, diante da crise econômica global a gestão da atual presidente preserva “a ambiguidade e as contradições” dos dois mandatos de Lula. “O Brasil se afasta do neoliberalismo ao adotar políticas industriais de incentivo à economia nacional e medidas de defesa do mercado interno contra o dumping e a invasão dos importados. Ao mesmo tempo, fecha os olhos para a compra de enormes extensões de terra e de grandes empreendimentos do agronegócio por grupos estrangeiros, o que aprofunda a desnacionalização da economia e põe em risco a própria soberania do país”.
Relações com os EUA
As profundas divergências e a troca de acusações entre Brasil e EUA no campo da economia mostram ser bastante relativa a suposta “reaproximação” entre os dois países sugerida por alguns analistas logo no começo do mandato de Dilma Rousseff. Tal análise se baseava no voto brasileiro na ONU favorável ao envio de um relator especial de direitos humanos ao Irã, em março do ano passado, e na visita do presidente norte-americano, Barack Obama, ao Brasil no mesmo mês.
“As relações entre os dois países tiveram certa melhora, pois o próprio embaixador em Brasília, Thomas Shannon, disse que os atritos em relação ao Irã, por exemplo, haviam sido ultrapassados. Patriota fez um esforço para a melhoria dessas relações que se consubstanciaram com uma visita do presidente Obama ao Brasil logo no início da administração Dilma, e depois com uma visita da presidenta aos EUA. Mas, no sentido geral, essas relações não estão modificadas. A posição brasileira se mantém claramente em uma sintonia de que as relações devem ser multilaterais. O Brasil tem sempre condenado atitudes unilaterais em diferentes países, particularmente as dos Estados Unidos”, analisa Vigevani.
Para Cristina Pecequilo, a relação bilateral entre os dois países mantém a mesma linha do período anterior, e a diminuição de atritos é consequência do baixo perfil assumido pela diplomacia brasileira com a dupla Dilma/Patriota. “Mesmo assim, existiram discordâncias importantes, como o Brasil não apoiando, por exemplo, a intervenção realizada na Líbia.”
Multilateralismo
Com a campanha por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o governo brasileiro passou a ser cobrado a participar mais ativamente em ações como as contra a nação então governada por Muamar Kadafi. “Mas não fomos tentados a engrossar o grupo de países que clamavam por intervenções na Líbia e que agora querem armar a oposição síria”, esclarece o embaixador Tovar Nunes, que reforça a insistência do Brasil no multilateralismo.
Por ocasião do início da intervenção militar no país no norte da África, em março de 2011, o Itamaraty divulgou uma nota pedindo o cessar-fogo imediato, lamentando a perda de vidas entre a população civil e conclamando a solução da crise por meio do diálogo. E isso menos de 12 horas depois de Barack Obama ter encerrado sua visita ao Brasil. Em setembro deste ano, no discurso de abertura da 67ª Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, EUA, a presidente brasileira reforçou a posição de que o conflito que ocorre atualmente na Síria não seria solucionado com o uso de armas.
Nunes destaca, porém, outro campo em que, segundo ele, o Brasil foi fundamental nesses dois anos de governo Dilma: as discussões sobre o aquecimento global. De acordo com o porta-voz do Itamaraty, um novo paradigma de desenvolvimento sustentável emergiu da Cúpula Rio+20, realizada em junho deste ano no Rio de Janeiro. A proposta brasileira de colocá-lo em prática levando-se em conta também o aspecto social teria sido o principal resultado do encontro.
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