Efraín Zúñiga é nicaraguense e se mudou para a Costa Rica com a família quando tinha 12 anos. Trabalha há oito anos na fazenda Piñas del Mulle, propriedade da Standard Fruit Company, subsidiária da multinacional fruteira Dole. Por sua proximidade com a fronteira da Nicarágua, a fazenda emprega uma alta porcentagem de trabalhadores imigrantes.
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Zúñiga afirma que em várias ocasiões produtora de abacaxi reuniu trabalhadores para lhes ameaçar contra sindicalização
“Saio da minha casa às 4h e volto às 16h. Sempre trabalhamos em condições difíceis, expostos às intempéries e com muita pressão para que tenhamos maior rendimento e cumpramos a meta que nos dão. Entretanto, tudo isso nunca se traduz em um salário melhor, porque [o salário] depende sempre da produção e da temporada”, explica Zúñiga, um dos poucos trabalhadores que se atreveram a dar declarações.
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Para Pedro Landero Picado, que está há nove anos trabalhando na mesma fazenda, a única opção de trabalho são as plantações. “Durante a jornada, temos 15 minutos para tomar café da manhã e meia hora para almoçar. Comemos no lugar onde estamos, sentados no chão e debaixo do sol. E, quando chove, nos cobrimos com um plástico para que a comida não se encha de água”, diz.
Landero Picado explica que as fazendas de abacaxi são muito extensas e podem chegar a dois ou três mil hectares. Para fazer suas necessidades fisiológicas quase não há estrutura e devem “dar um jeito” como podem. Para combater as altas temperaturas, os trabalhadores carregam água e a empresa presenteia alguns pacotinhos de soro. “Para mim quase não dão, mas tento tomar muita água porque o nível de desidratação é tão alto que no final do dia a roupa está molhada e até as botas se encharcam de suor”, relata o trabalhador.
Ambos concordam que a pressão e o assédio da empresa se radicalizaram desde que eles decidiram se afiliar ao Sintrapifruit (Sindicato dos Trabalhadores de Abacaxi e Frutas Tropicais, por sua sigla em espanhol). “Desde que soube que eu tinha me afiliado ao sindicato, meu supervisor começou a me assediar. Dizia que eu deveria deixar de reclamar sobre o pagamento, porque iam me despedir, que não iam permitir que uma fruta podre estragasse as outras, e que para cada um que se vai, 20 outros estão esperando”, lembra Zúñiga.
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O costume de muitas empresas de abacaxi é contratar as pessoas por alguns meses, despedi-las e voltar a contratá-las pelo mesmo período. Dessa forma, os trabalhadores nunca podem acumular tempo de serviço, nem direito a benefícios. Além disso, fica mais fácil chantageá-los para não se afiliem a sindicatos e convencê-los a fazer parte das associações solidárias ou dos Comitês Permanentes, outra estrutura pró-patronal.
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Picado diz que a única opção de trabalho são as plantações: “Temos 15 minutos para o café da manhã e meia hora para almoçar”
“Os trabalhadores têm medo de perder o emprego e não querem saber dos sindicatos. Mesmo que lhes expliquemos os benefícios e a importância de defender nossos direitos, dizem que não querem ‘ficar manchados’”, explica Landero.
Zúñiga lembra-se de que em várias ocasiões [a empresa] reuniu todos os trabalhadores para lhes dizer que não se associassem ao sindicato porque era algo que prejudicava as pessoas e a empresa. “Diziam-nos que os sindicatos só querem quebrar a empresa. Faziam lavagem cerebral e muita gente saía dessas reuniões muito irritada e ressentida de tudo o que cheirasse a sindicalismo.”
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Lista Negra
A Lista Negra é outra das tantas ferramentas que os patrões usam para aterrorizar o trabalhador. José Luis Conejo trabalha como promotor sindical do Sintrapifruit. Sua tarefa não é fácil: tem de rodar pela região das fazendas de abacaxi para falar com os trabalhadores e trabalhadoras, explicando a importância de se afiliar. Alguns anos atrás era trabalhador agrícola, até que cometeu o “grave delito” de protestar.
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“Eu fui vítima da lista negra. Trabalhei quase oito meses para a Agrícola Agromonte e me despediram porque solicitei uma inspeção trabalhista ao Ministério do Trabalho”. Conejo se lembra do que o responsável lhe disse, literalmente: “Perco o meu nome se o senhor algum dia puder voltar a trabalhar em uma fazenda de abacaxi.”
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Conejo, que atua hoje como promotor sindical: “me despediram porque solicitei uma inspeção trabalhista ao Ministério do Trabalho”
E assim foi. “Fiz várias tentativas, mas todas as empresas me diziam que para mim não havia trabalho. Passei quatro anos assim, até que comecei a me dedicar ao que de verdade sentia que era a minha missão. Não é fácil, porque a repressão é brutal e usam um sem-fim de artimanhas contra o sindicalismo. Sobretudo para as mulheres, que sofrem discriminação e assédio sexual”, assegura o promotor sindical.
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Mesmo apesar da dura realidade das grandes plantações e do modelo agroexportador, implementado na Costa Rica, Leitón garante que é possível fazer alguma coisa. “Os sindicatos formaram a FENTRAG (Federação Nacional de Trabalhadores da Agroindústria e Afins) e estamos nos fortalecendo e quebrando essa cultura antissindical que há no país.”
“Além disso” — continuou Leitón – “o SITRAP já conseguiu levar aos tribunais cerca de 70 casos de trabalhadores cujos direitos foram violados. Destes, 25 que havia sido despedidos já foram reintegrados”, concluiu.