Alunos do Ciência Sem Fronteiras: intenção é quadruplicar o número de bolsistas brasileiros no exterior
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Em 2011, o governo brasileiro anunciou o lançamento do programa CSF (Ciência Sem Fronteiras), que, ao longo de quatro anos, prevê a concessão de cerca de 100 mil bolsas de estudos para alunos brasileiros de graduação e pós-graduação, técnicos e professores. Aproximadamente 75 mil benefícios serão proporcionados pelo governo e mais 26 mil por parte de empresas privadas. O custo estimado do programa é da ordem de R$ 3,2 bilhões. Além da grande expansão no número de brasileiros estudando no exterior, a grande novidade do programa é a ênfase em bolsas para alunos em cursos de graduação. Soma-se a isso o reforço na formação técnica, com a participação do setor privado. O programa trabalha, sobretudo, com os objetivos de elevar a capacidade científica brasileira e aumentar o poder competitivo do setor produtivo nacional.
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O CSF nasceu por iniciativa da presidente da República, Dilma Rousseff. O envolvimento pessoal da presidente, ao mesmo tempo em que eleva o status do programa e garante a existência de recursos, gera um desafio, pela urgência imposta.
Diante da nossa crônica escassez de capital humano, o programa é mais do que bem-vindo. Apesar do otimismo, as agências revelam temor, pela dimensão e pelas dificuldades decorrentes das novas modalidades de bolsas e pelo baixo conhecimento em línguas estrangeiras dos estudantes brasileiros.
O novo programa, se cumprido plenamente, multiplicará por quatro o número de bolsistas brasileiros no exterior. A tendência, entre 1997 e 2009, foi de um aumento gradual do número de bolsas, com a significativa redução do número de bolsas plenas de doutoramento (de cerca de 1.300 ao ano em 2001-2002 para cerca de 800 em 2007-2009), a eliminação das bolsas de mestrado e o aumento importante das bolsas de doutorado-sanduíche.
Os Estados Unidos são o principal destino dos estudantes brasileiros que vão para o exterior. Dados do Institute of International Education (IIE) indicam que 8.777 brasileiros estudavam naquele país em 2010-2011, número muito aquém de países como China (158 mil), Índia (104 mil), Coreia do Sul (73 mil) ou México (13 mil).
Internacionalização
A reconhecida escassez de professores e pesquisadores no Brasil levou o governo federal, em 1951, a criar dois órgãos com funções complementares e dedicados à formação de recursos humanos em geral: a Capes, Coordenação do Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, e o CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Instituições estrangeiras também trouxeram contribuições importantes. A Fundação Rockefeller começou a atuar no Brasil em 1913, colaborando com instituições educacionais de saúde, em São Paulo, e com o Instituto Manguinhos (hoje Oswaldo Cruz) na área da saúde pública, enviando um número significativo de pessoas para se formar no exterior. O mesmo caminho foi seguido, mais tarde, pela Fundação Ford.
Um ponto que chama atenção na tradição das agências brasileiras é a continuidade. Ainda que o Brasil nunca tenha tido um programa da magnitude do CSF, é possível afirmar que nenhum outro país manteve, sem interrupção (desde os anos 1970) e com recursos unicamente do Tesouro, programas de bolsas.
Ainda assim, comparações internacionais revelam que a educação brasileira permanece isolada. Diferentemente de outros países, onde as famílias enviam seus filhos para cursos de graduação no exterior (asiáticos liderando as estatísticas), poucos brasileiros vão estudar fora com recursos próprios. Comparado com China, Índia e Coreia do Sul, o Brasil ainda tem um fluxo limitado de intercâmbios com o exterior. O número de professores e pesquisadores estrangeiros no país é pequeno.
Desafios
Os principais desafios do Ciência sem Fronteiras são a grande escala em que pretende operar e as novas modalidades de bolsa que estão sendo introduzidas. Ao longo dos anos, instituições como a Capes e o CNPq desenvolveram uma excelente capacidade de administrar bolsas de pós-graduação no Brasil e no exterior.
Faltam dados que permitam avaliar os resultados acadêmicos, medidos, por exemplo, pela conclusão dos programas de doutoramento, pela absorção dos estudantes por uma instituição brasileira e pela continuidade de seu trabalho profissional e intelectual. Seria oportuno investir nesse tipo de informação e análise.
Um programa do porte do CSF — e voltado para alunos de graduação — precisa lidar com o fato de que a formação em língua estrangeira é muito precária no ensino brasileiro. Existe o risco de que os estudantes acabem optando por estudar em países onde o obstáculo da língua é menor (como os de língua castelhana), em vez de irem para as melhores instituições. No Brasil, as universidades montam grandes projetos para oferecer cursos intensivos em períodos de férias. No exterior, as instituições parceiras estão organizando programas complementares de língua, alguns dos quais concomitantes aos cursos e de longa duração.
Formação profissional
Embora preocupados com a importância da formação profissional e tecnológica, tanto a Capes como o CNPq sempre se orientaram por critérios acadêmicos na escolha de seus bolsistas. O CSF tem um viés técnico e profissional muito mais forte, ao abrir espaço para estágios profissionais e estimular a participação de empresas no programa.
No passado, Capes e CNPq financiavam bolsas de mestrado em áreas pouco desenvolvidas no Brasil, mas estas bolsas desapareceram nos últimos anos e o CSF não as reconsidera. Isto pode ser um equívoco. No Brasil, os mestrados tendem a ser vistos como primeiro passo em uma formação acadêmica que culmina com o doutorado. Nos Estados Unidos e na Europa, os mestrados, cada vez mais, são uma alternativa de formação profissional, fortemente orientada para o mercado de trabalho. Dadas as intenções do programa, seria importante abrir um espaço razoável para mestrados profissionais, pois os doutorados são programas para a docência e a pesquisa.
A formação tecnológica no Brasil, de dois anos de duração, se desenvolveu muito pouco, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, onde os cursos de dois anos dos community colleges formam mais que a graduação clássica. Portanto, esse poderia ser um dos carros-chefes do programa, enviando alunos para estes cursos e também professores já formados e dirigentes escolares.
Outra diferença entre os programas anteriores e o atual é que o CSF não inclui as Ciências Sociais e Humanidades que, nos programas tradicionais, correspondiam a cerca de 25% das bolsas. A ênfase nos campos STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em inglês) faz sentido, pois as carências brasileiras são bem conhecidas. No entanto, existem lacunas importantes nos campos do direito (patentes, legislação antitruste e mercado de capitais para inovação), governança, empreendedorismo, política econômica, política urbana, política educacional e política cultural.
Por isso, assegurar que os programas regulares de bolsas no exterior serão mantidos é fundamental para o próprio sucesso do CSF.
Visão americana
Embora o CSF possa tornar a presença brasileira nos Estados Unidos a maior da América Latina, ela continuará, com 20 mil estudantes anuais, sendo pequena, se comparada com os mais de 100 mil estudantes de China e Índia.
A expectativa brasileira seria que os estudantes fossem somente para universidades de primeira linha. Mas, de fato, muitos dos 650 alunos da primeira leva de “bolsas sanduíche” de graduação — em que o aluno viaja, em geral por um ano, como parte de seu estudo no Brasil – estão indo para instituições bem mais modestas, para as quais a ida desses estudantes pode ser financeiramente significativa, independentemente do resultado de seus estudos. Universidades melhores e mais consolidadas, normalmente, não concordariam em receber estudantes escolhidos por governos e organizações externas e fora de seus procedimentos regulares de seleção.
As universidades americanas estão fazendo grandes esforços para se tornarem mais globais, e o Brasil é visto como um parceiro de importância crescente neste movimento. Centros de estudos brasileiros estão sendo criados nas principais universidades com apoio brasileiro e local, seja governamental ou privado. Por exemplo, o MIT, recentemente, passou a oferecer até 100% de subsídios para estágios de seus estudantes no Brasil. Há aproximadamente dois anos, o MIT não tinha nenhum curso sobre Brasil e não ensinava português.
Futuro
O Brasil precisa internacionalizar suas universidades. O CSF é a primeira chance real para que se adote uma postura mais firme nesse sentido.
Tanto pelo seu tamanho como por sua orientação, o programa Ciência sem Fronteiras pode significar uma virada importante para a educação superior e a ciência e tecnologia do país. Ele rompe com um certo provincianismo, confirma a vocação do país em ter uma participação cada vez maior, mais competente e mais competitiva no mundo atual. Enfatiza também a importância da formação técnica, profissional e científica, ao lado da formação acadêmica mais tradicional.
Falta muito por esclarecer sobre como será a parte propriamente empresarial do programa, responsável por um quarto das bolsas previstas. As instituições que aparecem até agora como financiadoras podem ter, simplesmente, respondido a um apelo presidencial, ao qual não poderiam se furtar. No entanto, falta que se envolvam no processo de seleção de bolsistas e no estabelecimento de parcerias com outras empresas no exterior.
Finalmente, embora o aumento de recursos para a fixação de jovens talentos e de professores visitantes estrangeiros seja um passo no bom sentido, ainda existe muito a ser feito para tornar o Brasil um país realmente atrativo para estudantes, professores e pesquisadores internacionais que possam trazer para o país suas experiências, culturas e contribuição. As melhores universidades brasileiras não estão preparadas nem têm estímulos para receber estudantes de fora do país. Os concursos, estritamente tradicionais para professores, os níveis salariais definidos burocraticamente e a rigidez do serviço público limitam fortemente, embora não impeçam totalmente, que as universidades brasileiras compitam internacionalmente pelos melhores talentos. Para que a ciência brasileira se torne realmente sem fronteiras, é preciso que desbrave novos caminhos em todas as direções.
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