No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA desta terça-feira (11/05), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, falou sobre o New Deal, a política econômica adotada pelos Estados Unidos, a partir de 1933, sob a presidência de Franklin Delano Roosevelt, para tirar o país da chamada Grande Depressão, a crise gerada pela quebra da bolsa de valores em 1929.
“New Deal poderia ser traduzido, literalmente, para Novo Acordo, mas talvez fosse melhor Novo Ajuste: um conjunto de reformas estruturais do capitalismo estadunidense, para salvá-lo do colapso. Ou seja, foi estrutural. O Plano Biden não é”, explicou Altman.
Para ele, comparar o programa do atual governo dos EUA com o de Roosevelt não passa de uma análise superficial, ilusão ou “charlatanismo intelectual”;
Para justificar esse argumento, o jornalista relembrou o contexto histórico em que o Novo Acordo foi criado, após a chamada Quinta-Feira Negra, dia em que Nova Iorque despertou para ver que todas as ações na Bolsa de Valores haviam despencado e que fortunas haviam sido dissipados em poucas horas.
Até aquele momento, o capitalismo norte-americano vivera anos de grande euforia, com altas taxas de crescimento, aumento dos investimentos, intensificação da revolução tecnológica e expansão da produção. Um movimento de ampliação da oferta amparado pela reconstrução da economia europeia no pós-guerra.
A capacidade de consumo, contudo, não coincidia com o aumento da produção. Para manter a roda girando, fornecia-se crédito, o que formou uma gigantesca bolha financeira, inflada por taxas de juros e especulação na bolsa.
Os bancos expandiam suas carteiras de empréstimos, inclusive para quem quisesse dinheiro para comprar ações. E as empresas, que começavam a mergulhar em uma crise de subconsumo, eram obrigadas a baixar seus preços para manter vendas, mas alavancavam seu caixa colocando ações ao público.
“Até que a bolha estourou e o jogo acabou. Milhares de empresas quebraram. Incontáveis agricultores faliram. Dívidas com os bancos não puderam mais ser pagas e até muitas dessas instituições conheceram a bancarrota. O desemprego galopou. Os preços despencaram, em deflação, arruinando ainda mais empresas e fazendas, especialmente os pequenos negócios. A miséria de milhões substituiu a euforia”, enumerou Altman.
Começava assim a Grande Depressão, cujo período mais agudo foi entre 1929 e 1933, envolvendo todo o mundo capitalista, pelo peso que já tinha a economia estadunidense.
O New Deal
Eleito presidente em 1932, o democrata Franklin Delano Roosevelt propunha um caminho diferente do liberalismo para enfrentar a tempestade, com reformas estruturais do capitalismo em seu país.
Seu programa, o New Deal, viria a ser aplicado em duas fases durante seu primeiro mandato, entre 1933 e 1937. Ele consistia de medidas conjunturais, imediatas, mas também de alterações profundas na acumulação capitalista.
Entre elas estavam aumentar os gastos e investimentos públicos para a construção de obras de infraestrutura, animando as empresas, criando empregos e gerando renda; a aquisição dos estoques de gêneros alimentícios, para salvar os pequenos e médios agricultores, ao mesmo em tempo que a destruição parcial desses bens forçasse a alta de seus preços; e a ampliação da renda dos trabalhadores para recuperar e expandir o mercado interno por meio dos salários diretos e indiretos.
“Para esse fim, Roosevelt reduz a jornada de trabalho para oito horas, fixa o salário mínimo, cria o seguro-desemprego e o seguro-aposentadoria (para maiores de 65 anos), legaliza a atividade sindical e os contratos coletivos de trabalho, estabelece a intervenção do Estado como mediador de conflitos entre capital e trabalho, através de uma agência específica, a National Labor Relations Board (NLRB)”, relembrou Altman.
Além disso, também houve a adoção de um amplo programa de construção residencial, com fundos públicos que amparassem os custos dessas obras e garantissem o acesso da maioria dos cidadãos.
Do ponto de vista das reformas, vale destacar a reforma do sistema financeiro, através da Lei Glass-Steagall, regulando toda a atividade bancária, proibindo os monopólios e separando bancos de investimento dos bancos comerciais, com o objetivo, segundo Altman, de “fortalecer e ampliar a supervisão do Estado sobre todos os mecanismos de crédito”.
Além disso, foram feitas reformas tributárias, com elevação dos impostos sobre o lucro das empresas para 40% e sobre a renda dos mais ricos até 78%, chegando a 94% durante a Segunda Guerra, em 1944.
Biblioteca Presidencial FDR
New Deal, de Roosevelt, mexeu com estruturas da economia norte-americana
E, por fim, houve a reforma do Estado, com a criação de uma série de agências destinadas a controlar distintos setores da economia.
Altman apontou também para o fim da Lei Seca, que “legalizou um dos setores mais dinâmicos e de massa da economia, gerando empregos legais e receitas tributárias novas”.
Bancando o New Deal
“Os fundos para a implementação dessas políticas vieram de uma combinação de movimentos, entre política monetária e fiscal”, explicou o jornalista.
Frente a uma situação deflacionária, com um desemprego que batia em 25% da mão-de-obra e com as empresas paralisadas, Roosevelt decretou a suspensão do padrão-ouro e o monopólio estatal sobre esse minério. Ele também desvalorizou o dólar para recuperar as exportações, ao mesmo tempo em que expandia a base monetária, colocando mais recursos em circulação.
“Seu governo recorreu relativamente pouco à emissão de dívida pública, preferindo combinar a emissão de moeda com uma forte política tributária que aumentasse pesadamente a arrecadação do Estado sobre os mais ricos e taxasse o capital imobilizado, tornando excessivamente cara qualquer imobilização de recursos, em imóveis, fundos bancários ou quaisquer outras formas de poupança”, discorreu Altman.
Ao ver do então presidente, a própria recuperação da economia, com o reforço acentuado da demanda, elevaria a arrecadação do Estado.
Resultados
“O New Deal teve relativo sucesso, mas não linear. Entre 1937 e 1938, irrompeu uma nova recessão: as medidas se revelavam insuficientes e declinantes para ampliar a demanda, ativando plenamente a base industrial instalada”, defendeu Altman.
A economia estadunidense só foi se recuperar de fato com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a reconfiguração da indústria norte-americana como economia de guerra, dando origem ao poderoso complexo bélico-industrial.
Essa expansão acelerada viria a se consolidar no pós-guerra, com os EUA se convertendo na grande força impulsionadora da reconstrução europeia, através do Plano Marshall, “convertendo-se no principal Estado imperialista em todas as regiões do planeta, liderando o campo capitalista contra a União Soviética e seus aliados”.
“Vale registrar que o caminho de Roosevelt, normalmente associado às ideias de John Keynes, absorvia parte da lucratividade das grandes corporações e seus acionistas, financiando o chamado estado de bem-estar social, mas esses mesmos grupos e seus proprietários buscavam recuperar a margem perdida nos países da periferia do sistema capitalista, com ajuda do próprio governo norte-americano”, ponderou o jornalista.
O contrapeso e a própria sustentação do período keynesiano foi o aprofundamento da dominação imperialista nos Estados do capitalismo tardio, respondendo com golpes e ditaduras às tentativas de incorporar localmente os paradigmas lançados por Roosevelt.
Comparando com o atual momento e a crise econômica decorrente da pandemia, Altman acredita que “embora potente, o Plano Biden não traz qualquer reforma estrutural, na economia ou no Estado”.
“O plano amplia em larga escala os gastos e investimentos públicos, mas não enfrenta o sistema financeiro [a Lei Glass-Steagall foi inteiramente abolida pela lei Gramm-Leach-Bliley durante o governo do democrata Bill Clinton, nos anos 1990], não altera as regras salariais, não faz uma reforma tributária a sério (retorna os impostos sobre empresas de 21% para os 28% de 2017, sobe os impostos sobre a renda dos mais ricos de 37% para 39,6%) e não resolve as dívidas estruturais, como a dívida estudantil”, concluiu.