No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA desta terça-feira (28/09), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, discorreu sobre a história do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) que ultrapassou a coalizão conservadora CSU/CDU, de Angela Merkel, nas eleições parlamentares de domingo (26/09).
Existe a possibilidade de que o SPD venha a liderar o governo, pela primeira vez desde 2005, fato celebrado por setores progressistas do mundo todo. Entretanto, Altman questionou se há razões para a comemoração, “afinal, o SPD foi o responsável pela implementação das reformas liberais entre 1998 e 2005, além de integrar o governo de Merkel entre 2005 e 2009, depois entre 2013 e 2021”.
“O possível novo chanceler alemão, Olaf Scholz, é o vice de Merkel e ocupa o Ministério das Finanças desde março de 2018. Ele é o líder do bloco mais à direita do SPD, derrotando e isolando Martin Schulz, que comandou o partido por um breve período e era contrário à participação no governo de Merkel”, relembrou o jornalista.
Com a Grande Coalizão, a aliança entre CDU/CSU e o SPD, Altman reforçou que as diferenças entre os dois partidos passaram a ser muito pequenas, ainda que entre os sociais-democratas haja correntes mais à esquerda
“Entre os dois se estabeleceu um pacto ao centro para desidratar ameaças à direita, com a AfD, e à esquerda, com o Die Linke, criando um modelo de neoliberalismo atenuado, com programas compensatórios”, defendeu.
Da esquerda clandestina à moderação institucional
Para entender como o SPD chegou a ser o que é, o jornalista retomou sua história. O SPD foi efetivamente fundado em 1875, a partir da fusão de duas organizações: a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães (ADAV), criada em 1863 e liderada por Ferdinand Lasalle, e o Partido Operário Social-Democrata (SDAP), fundado em 1869 por August Bebel e William Liebknecht.
Essas duas organizações, unificadas, deram origem ao Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (SAP), que mudaria de nome, em 1890, para Partido Social-Democrata da Alemanha, o SPD.
Apesar da fusão, Altman ponderou que existiam duas alas desde o princípio: “a ADAV, de Lasalle, correspondia a uma orientação mais reformista, sem propor a ruptura com o capitalismo; o SDAP, de Bebel e Liebknecht, mais próximo de Karl Marx e Friedrich Engels, defendia um ponto de vista anticapitalista e a construção de um Estado popular”.
“Marx e Engels consideravam o programa do novo partido, chamado de Programa de Gotha, um desvio reformista, escrito com demasiadas concessões ao pensamento de Lasalle, bastante influenciado pelo liberalismo burguês. Mas não ficaram contrários à fusão, pois consideravam que um partido poderoso dos trabalhadores era um fato positivo de muito maior relevo que seu programa”, explicou.
De 1878 a 1890, o futuro SPD passou à clandestinidade, por decisão do governo de Otto Von Bismarck, utilizando como pretexto as duas tentativas de assassinato do imperador Guilherme II. “Correspondeu a um período no qual o desenvolvimento do capitalismo alemão exigia a supressão de qualquer resistência operária e sindical, para que a burguesia alemã, retardatária, pudesse chegar aos padrões de acumulação das burguesias dos países mais avançados, como França e Inglaterra, além de construir as bases da expansão extraterritorial da Alemanha unificada”, relatou.
Os sociais-democratas voltaram à legalidade em 1890 com sua ala esquerda fortalecida, como resposta à ofensiva conservadora de Bismarck, forçando a legenda a uma perspectiva anticapitalista, apesar de não abandonar certas concessões ao pensamento de Lasalle.
De 1891 até 1912, o SPD transformou-se no maior partido da Alemanha e na principal organização marxista de todo o mundo, constituindo-se na coluna vertebral da II Internacional.
“A ascensão eleitoral, porém, provocaria uma nova movida no pêndulo da luta interna, dessa vez para a direita. Já no final do século, apareceu uma corrente antimarxista, apelidada de revisionista, que defendia uma concepção evolutiva da transição entre o capitalismo e o socialismo, através de sucessivas e graduais reformas, dentro do próprio Estado burguês e sem ruptura revolucionária”, argumentou Altman.
Derrotada em um primeiro momento, essa ala se reconfiguraria nos anos seguintes, atingindo seu apogeu às vésperas da I Guerra Mundial. Apesar do programa do SPD ser internacionalista e contra a guerra, e também ser essa a posição da II Internacional, a maioria da direção social-democrata decidiria por apoiar o esforço militar alemão, votando os créditos demandados pelo governo e as leis de restrição à luta dos trabalhadores.
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Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) ultrapassou a coalizão conservadora CSU/CDU, de Angela Merkel, nas eleições parlamentares
Acabado o conflito, com a derrota do império alemão e sua bancarrota, seria o SPD a liderar o processo de proclamação da República, “ocupando a linha de frente na restauração e na reforma do Estado burguês e enfrentando a sangue e fogo as forças revolucionárias”, contou Altman.
A derrota da revolução alemã levou à consolidação da chamada República de Weimar. A configuração que adquiriu o Estado alemão entre 1918 e 1933 foi definida por Altman como “um regime político democrático-burguês clássico, de fundamentos liberais, organizando uma economia de mercado na qual as forças sindicais tinham relativa liberdade para arrancar melhoria e reformas, desde que não ameaçassem a ordem capitalista”.
Durante todo esse período, ele apontou que os sociais-democratas integravam a chamada Coalizão de Weimar, acabando por apoiar a reeleição do general Paul von Hindenburg para presidente, em 1932. No ano seguinte ele indicaria Adolf Hitler como chanceler.
“Os sociais-democratas, comprometidos com a Coalizão de Weimar, se recusavam a fazer uma aliança antinazista com o KPD, o partido dos comunistas. Preferiam se manter associados aos partidos burgueses, inclusive reprimindo duramente os comunistas e os sindicatos sob sua direção”, criticou.
A Grande Coalizão
“Esfrangalhado pela ascensão do nazismo ao poder e pela guerra, o SPD se reergueu a partir de 1945”, retornando ao governo em 1966, em coalizão com CSU/CDU pela primeira vez, até 1969, quando o SPD ganhou as eleições e teve seu mais longo período de governo, concluído em 1982, primeiro com Willy Brandt e depois com Helmut Schmidt na chancelaria.
“Nesse período ocorreu o maior fortalecimento do estado de bem-estar social, com reformas que se tornaram possíveis por três fatores: o temor frente ao campo soviético, a força do sindicalismo alemão e a expansão imperialista da economia do país, que já estava em curso desde a recuperação nos anos 50”, explicou Altman.
No entanto, ele destacou que o SPD representou um pacto com a burguesia e ordem mundial imperialista, “pelo qual a rota de acumulação capitalista passaria pela ampliação do mercado interno – através da expansão de salários e direitos -, um peso crescente do Estado – especialmente para investir em tecnologia e inovação – e garantias internacionais para a retomada do espaço das corporações germânicas”.
O SPD perdeu as eleições para Helmut Kohl, da CSU/CDU, em 1982, que governou até 1998, “implementando uma forte agenda neoliberal, para reduzir direitos e salários, além de impulsionar um programa privatista”. O governo Kohl, entretanto, enfrentaria paulatina resistência sindical e do próprio SPD, enfatizou o jornalista, especialmente depois da unificação alemã em 1990.
O SPD voltou ao governo em 1998 e dirigiu o país até 2005, sob o comando de Gerhard Schröder, em aliança com os Verdes, que afirmava ser seu principal compromisso o crescimento da economia alemã, e não a distribuição de renda e riqueza. Adotou várias medidas de desmonte do Estado de bem-estar, de redução dos direitos trabalhistas, de diminuição dos impostos corporativos, de privatização e desregulamentação da economia.
O crescimento do desemprego e da pobreza levaram à derrota do SPD e à própria divisão do partido. O antigo líder da legenda, Oskar Lafontaine, em 2005, lideraria uma dissidência que iria se fundir com o antigo partido dos comunistas da Alemanha Oriental, criando o Die Linke, ( ‘A Esquerda’).
“Os dois grandes partidos do pós-guerra, SPD e CSU/CDU, perderam paulatinamente o monopólio eleitoral, com uma maior fragmentação do quadro partidário, assistindo o crescimento de outras forças, à direita e à esquerda”, ressaltou.
Nas eleições de 2005, nenhum dos grandes partidos tinha força para governar sozinho. O SPD poderia ter formado uma coalizão de esquerda, com o Linke e os Verdes, “mas preferiu fazer uma aliança com a CSU/CDU”, que iria durar até 2009. A base comum era a adesão ao programa neoliberal, com atenuantes sociais, adesão comandada pelo setor de Schröder, ao qual se vincula o possível novo chanceler, Olaf Scholz.
Chamada de Grande Coalizão, esse acordo seria interrompido entre 2009 e 2013, e então retomado por mais oito anos. Não está afastada a hipótese de que essa aliança venha a ser mantida, ainda que sob o comando do SPD.