No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta sexta-feira (25/03), o jornalista Breno Altman entrevistou Valter Pomar, dirigente petista, historiador e professor de Relações Internacionais da UFABC, que falou sobre o centésimo aniversário da fundação do Partido Comunista no Brasil, fazendo um balanço sobre a luta comunista no país.
Atualmente, para ele, as condições para um partido “chamado comunista de massas” deixaram de existir, “mas as condições para um partido comunista que não carregue esse nome, mas tenha a base de massas, ainda existem”.
Pomar destacou que o comunismo não é um conceito, ou algo que cabe apenas em livros. Trata-se de “um movimento concreto de superação da sociedade capitalista via a existência concreta de várias organizações”. E ele ressaltou que, agora, mais do que nunca, as condições para a superação do capitalismo estão postas, dadas todas as contradições que estão se intensificando.
“O nó é que, assim como a palavra ‘socialismo’, a palavra ‘comunismo’ é compreendida pelas pessoas das mais variadas maneiras. Mas ainda é possível dar caráter de massa à luta por uma sociedade sem explorados e exploradores. Aliás, é mais possível hoje do que no passado, porque as condições de sobrevivência de uma parte expressiva da humanidade está ligada à superação do capitalismo”, reiterou.
Na opinião do professor, o Partido dos Trabalhadores, “ainda que tenha sido atropelado pelo êxito institucional”, ainda é a legenda capaz de conduzir essa estratégia: “é o caminho pelo qual se pode impor uma derrota ao bolsonarismo e ao neoliberalismo, e, embora terão de ter muita paciência, lugar de comunista é no PT”.
Por isso, ele lamentou que a legenda esteja considerando uma política de alianças composta por figuras como Geraldo Alckmin (PSB-SP), “porque tem um pedaço importante da classe trabalhadora que está disposta a qualquer coisa pela derrota do bolsonarismo, achando que esse é o preço a se pagar, mas subestimamos os problemas que podem vir disso”.
Nesse sentido, ele argumentou que o papel dos comunistas é contribuir com a esquerda não só para derrotar o bolsonarismo, mas para inserir conteúdo radical nessa derrota.
“Queremos um programa democrático, popular, antineoliberal, anticapitaista. Não queremos só palavras de ordem e parágrafos num texto, queremos estimular a luta da classe trabalhadora. Se a classe trabalhadora não fizer nada, se confirmar a postura passiva que vem tendo, há a possibilidade de que sejamos derrotados nas urnas ou que a vitória eleitoral se traduza em um governo rebaixado”, ponderou.
Centenário do Partido Comunista
Voltando no tempo, Pomar discorreu em detalhe sobre o Partido Comunista brasileiro, fundado em 1922, que deixou de herança as condições citadas por ele anteriormente. O professor afirmou que a legenda chegou a ter uma força “impressionante” em alguns momentos da história do país. Destacou o período após a Revolução de 1930, até 1935; o período após a Segunda Guerra Mundial, de 1945 a 1947; e do fim da década de 1950 até a metade da década de 1960.
“Nunca esteve próximo de tomar o poder, dizer isso seria um exagero. Nesses três momentos, o comunismo no Brasil teve uma força muito expressiva, mas não conseguiu aproveitar essa tendência para virar algo mais. Pior, foi golpeado brutal e definitivamente na última etapa, com o golpe militar, deixando de ser a força hegemônica da classe trabalhadora brasileira”, explicou.
Sergio Silva/Agência PT
Valter Pomar foi o entrevistado desta sexta do 20 MINUTOS ENTREVISTAS
Ele ponderou sobre os motivos que levaram à derrota do Partido Comunista, os fatores que permitiram que o golpe militar fosse dado praticamente sem resistência, como ele mesmo disse.
“Por muito tempo, o PC, e depois suas duas alas, o PCB e o PCdoB, defenderam a estratégia de que se poderia viver primeiro uma revolução burguesa para, depois, realizar as transformações socialistas. Prestes dizia que o Brasil sofria mais da falta de capitalismo do que o capitalismo em si. Mas depender de outra classe, supondo que essa classe está disposta a lutar por algo que ela não está disposta a lutar é condenar o partido ao reboquismo e à derrota”, sustentou.
Para ele, até hoje é uma ilusão pensar que a classe dominante contém ainda que seja um setor que pode ser um aliado estratégico da classe trabalhadora. “Não ter seu apoio não garante vitória nenhuma, mas tê-lo é derrota na certa”, enfatizou.
“Se você tem uma linha de aliança estratégica com a burguesia, é natural que em momentos democráticos também busque uma tática mais moderada. O problema é que o partido adotou isso em contra ao movimento da burguesia. Ele se abre à moderação quando a burguesia estava operando uma política de radicalização que levou à tragédia de 1964. Então a ala moderada do PC acabou sendo surpreendida pela brutal repressão que sofreu, achavam que não ia acontecer porque não estavam na luta armada. A classe dominante é implacável, e o próprio PT foi vítima dessa ilusão”, sublinhou.
Isso não significa, contudo, que o historiador considera a tática da luta armada a correta. Para ele, ela deveria ter ocorrido no momento do golpe, quando era possível organizá-la e os comunistas tinham a base social necessária para resistir. “Mesmo que a resistência fosse derrotada, mudaria o ambiente. O grave do golpe é quando ele acontece sem resistência à altura”, reforçou. Assim, na visão do professor, a luta armada estava “fadada à derrota”
O que acabou tendo êxito, ele afirmou, foram as lutas de massas que aconteceram no final dos anos 70, e que surpreendeu os militares no momento em que, “aparentemente, a ditadura tinha triunfado”. Ele argumentou que foram as próprias contradições gestadas pelo capitalismo naquele momento que fizeram com que o setor operário melhor remunerado, os metalúrgicos, virassem vanguarda “e provocassem a eclosão da ditadura”.
O PC, por sua vez, vivia seu fim decisivo, iniciado no golpe. Primeiro, como relembrou Pomar, porque a geração que dirigia o movimento foi exterminada, provocando um hiato; segundo, por um elemento político e ideológico, da desmoralização provocada pelo golpe militar.
“E há um terceiro elemento que é o da realidade. A ditadura completou, ainda que com mão de ferro, boa parte do processo de industrialização. Não dava mais para argumentar depois dos anos 70 que o Brasil não era um país capitalista. Por isso, a constituição de um novo centro hegemônico para a esquerda não poderia ocorrer em torno das ideias que tinham dado origem ao movimento comunista”, argumentou.
‘PT tinha potencial para superar a estratégia comunista’
Por isso, para Pomar, filiado ao PT desde os anos 1980, a criação da legenda carregava tanta promessa. Alinhada a seu tempo, a proposta petista “tinha potencial para superar a estratégia comunista” porque combinava base de massas com o entendimento de que a ideia de realizar alianças com a burguesia estava superada, apontando para um perspectiva socialista.
“Mas foi se reduzindo o espaço para realizar um debate mais elaborado sobre a estratégia que se deveria ter. O partido também foi atropelado pelo êxito, o êxito aparente de uma estratégia institucional que trouxe de volta os chips da velha formulação do movimento comunista. Claro que ela foi importante, conquistamos quatro vezes a Presidência da República, mas não transformamos estruturalmente o país e, pior, sofremos golpe”, criticou.
Mesmo assim, o professor reconheceu que, ao contrário do PC, o PT nunca reconheceu que o papel dirigente ficaria à cargo da burguesia nacional, “o que é uma diferença importante e é em nome dela que eu sou petista, que continuo acreditando que o PT é um instrumento que a classe trabalhadora deve preservar, mas não é suficiente”.
Já pensando na possibilidade de uma vitória eleitoral de Lula nas eleições deste ano, Pomar alertou que não é suficiente estar no comando formal do processo, achando estar no comando real. O PT nunca conseguiu quebrar a hegemonia do agronegócio ou do capital financeiro, por exemplo, “e parte do partido se conformou com essa situação”.
“Entregamos para a burguesia um papel que ela não pode ter se quisermos fazer do Brasil uma nação soberana, com democracia, igualdade social… superar os problemas que o Brasil enfrenta exige derrotar a classe dominante porque ela é incapaz estruturalmente de resolver esses problemas. Mas boa parte do nosso partido aceitou que não tem mais jeito, essa é a mentalidade que tem que mudar”, concluiu.