No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (05/05), o jornalista Breno Altman entrevistou o professor argentino da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais especializado em desenvolvimento chinês Javier Vadell, que avaliou a posição da China diante do conflito na Ucrânia.
Ele recordou, em primeiro lugar, que Pequim vinha buscando desde o princípio uma posição de neutralidade, até por ter boas relações com Rússia e Ucrânia, e continua se recusando a aplicar sanções contra Moscou. Entretanto, denunciou a mentalidade de Guerra Fria do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, que leva à postura expansionista da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
“A China vem tendo um papel muito ativo e crucial, tentando colocar limites nos EUA e falar que o conflito foi responsabilidade de uma ação de poder anacrônica baseada na ideia de um mundo unipolar. Pequim também já se colocou à disposição para ajudar a mediar um acordo de paz desde que as partes envolvidas queiram e que a Otan faça um ‘mea culpa’, algo que a União Europeia não quer fazer”, discorreu Vadell.
Como resultado desse cenário, o professor explicou que o conflito acaba fortalecendo a relação entre China e Rússia, sendo “uma amizade sem limites e sem volta”. Ele ponderou, também, que a guerra ainda poderia beneficiar a economia chinesa.
“Acho que o que está realmente afetando a economia deles agora é o lockdown intenso que estão fazendo em função do aumento do número de casos de ômicron [a mais recente variante do coronavírus]. Mas, com ou sem conflito, a China não vai abrir mão de seu 14º projeto quinquenal. Acabou de lançar um pacote de 2,3 trilhões de dólares focado no desenvolvimento do parque agroindustrial, construção de pequenas fábricas, transporte e inovação tecnológica”, citou.
Ele também disse acreditar que Pequim poderia suprir as demandas de Moscou e que as duas nações poderiam se ajudar, já que possuem necessidades complementares: a Rússia exportando commodities e a China tecnologia.
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Para Vadell, aproximação de China e Rússia pode, no largo prazo, levar à ruptura da hegemonia do dólar
Lembrando da construção da nova rota da seda, Vadell também mencionou movimentações da Rússia que, em 2015, começou a dirigir sua economia para o Oriente.
Fim do dólar?
O resultado disso, na opinião do professor, pode ser uma gradual ruptura da hegemonia do dólar: “Visa e Mastercard já saíram da Rússia, aí o Union Pay, que é chinês, já ocupou esse espaço”, ilustrou.
Ele disse acreditar que a China está em uma posição de poder em ocupar os espaços que o capitalismo vem deixando em aberto por conta das sanções, um resultado “que é o pesadelo dos EUA”, ainda que não seja de curto ou médio prazo. “A China ainda não consegue ameaçar o dólar”, ponderou.
“Mas a China sabe, por experiência recente, especificamente pelo governo de Donald Trump, que os EUA não vão aceitar uma ordem regida por uma potência asiática e que haverá uma guerra comercial, econômica, tecnológica e midiática de alto nível — que já acontece. Na minha opinião, os EUA mantém uma guerra implícita com a China e uma explícita com a Rússia”, agregou.
Mesmo assim, Vadell reforçou que a China têm condições de se consolidar não só como potência econômica, como já vem fazendo, mas como potência diplomática e geopolítica. Não chegaria ao ponto de adotar uma postura semelhante à da União Soviética, disse, que oferecia apoio militar e diplomático às lutas imperialistas, mas exerceria um poder simbólico muito mais importante.
“A China pode virar um modelo implícito de aprendizado e acho que isso seria ainda pior para os EUA”, concluiu.