O fundador de Opera Mundi, Breno Altman, discute no programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (21/06) o aumento do número de bilionários durante a pandemia no país, defendendo que estes super-ricos são o retrato mais explícito da degeneração capitalista.
Em seu 36º levantamento, a revista Forbes indicou 62 brasileiros entre os 2.668 bilionários do mundo atualmente. Segundo relatório da ONG Oxfam, a riqueza desta camada social cresceu 60% entre março de 2020 e novembro de 2021, ou seja, o período mais duro da pandemia.
Estes dados deixam evidente que o sistema capitalista produz desigualdade em detrimento da acumulação de riqueza limitada a um pequeno grupo de pessoas.
Para Altman, não há caminho para desenvolver a economia e melhorar as condições de vida e renda da maioria da população sem enfrentar o poder dos bilionários, nem existe democracia possível e desenvolvimento quando um país trabalha e produz para acumulação de renda, riqueza e poder de seus grandes capitalistas.
O caminho possível nas condições desfavoráveis do presente, segundo o jornalista, é o das reformas com perspectiva anticapitalista, em especial a tributária, elevando impostos sobre renda e riqueza.
As reformas essenciais incluem a instituição do imposto progressivo sobre grandes fortunas, ou seja, paga mais quem tem mais, além de um “fortíssimo” imposto sobre heranças e de tributos sobre lucros, dividendos, juros obtidos de empréstimos com capital próprio e meios de transporte de luxo, entre outros.
“Quando falecer o maior dos bilionários brasileiros, Jorge Paulo Lemann, não faz nenhum sentido que seus filhos paguem apenas 4% sobre a fortuna de mais de uma dezena de bilhões de dólares. Uma parte muito substancial de sua fortuna deveria ser transferida para o Estado“, exemplificou. Ainda que tal imposto chegasse a 40%, por exemplo, os herdeiros teriam algo como US$ 6 bilhões de legado.
Em favor do outro lado do abismo social brasileiro, caberia ao Estado mitigar a desigualdade e transferir recursos dos milionários e bilionários para um fundo público que pudesse expandir serviços públicos de saúde, ensino, cultura e esportes.
Esse conjunto de instrumentos melhoraria a renda dos mais pobres diretamente, pelo aumento dos salários, ou indiretamente, pela oferta gratuita de educação, saúde, cultura e esporte e pelas políticas de apoio.
“Quando se melhora a vida da imensa maioria do povo através de aumento de renda, investimento público, gastos sociais e retirando recursos dos bilionários e milionários, cria-se uma forte expansão da economia, porque se liberam recursos para o consumo”, conclui.
Altman registrou ainda que em 2021, a fortuna somada de todos os bilionários chegou a US$ 2,7 trilhões, equivalente a 13,9% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. A fortuna dos 62 brasileiros corresponde a US$ 125 bilhões, ou 8% do PIB brasileiro, uma extrema concentração de riqueza.
Esses números dizem respeito à fortuna estocada, e não à renda anual dos bilionários. Ainda segundo a Oxfam, o aumento de riqueza dos bilionários durante a pandemia aconteceu na mesma medida em que 97 milhões de pessoas eram empurradas para a pobreza extrema (de rendas inferiores a US$ 60 mensais, ou R$ 300) e para a fome, e em que outros 263 milhões de cidadãos deverão conhecer a miséria até o final de 2022. O salto da riqueza dos bilionários, em 21 anos, foi de 3,15 vezes, enquanto a economia do planeta elevava-se em 2,75 vezes.
A acumulação dos bilionários, alimentada pela distribuição desigual da renda, registrou portanto uma taxa de 16,23% acima da evolução do PIB somado de todas as nações. Em outros termos, a cada U$ 100 produzidos pelo mundo em mercadorias e riquezas nas últimas duas décadas, a fortuna dos bilionários aumentou em US$ 116 dólares. Quanto mais cresce a economia, mais a riqueza se acumula na mão dos bilionários.
O cenário brasileiro é um dos piores, com acúmulo de 40% da renda nacional pelos empresários, contra 25% pelas classes trabalhadores e 35% pelo Estado. O 1% mais rico do país controla 40% da riqueza nacional, e apenas 5% dos brasileiros possuem renda média mensal igual ou superior a R$ 10.313, segundo o IBGE, sendo oficialmente considerados ricos.
Palácio do Planalto/Flickr
Bilionários como Jorge Paulo Lemann, da foto, deveriam pagar mais impostos sobre suas fortunas, defende Breno Altman
No topo da pirâmide, os muito ricos (equivalentes a 1% da população) recebem a partir de R$ 28.659 mensais. Na prática, apenas 5% da população vivem como classe média e 1% como classe média alta. Os realmente ricos, por serem os proprietários ou gestores dos principais meios de produção, distribuição e crédito, não passam de 0,1% dos brasileiros, cerca de 200 mil pessoas cuja renda anual é igual ou superior a R$ 1 milhão. Enquanto os 62 bilionários brasileiros estão no cume dessa elite, na base da pirâmide se encontra a imensa maioria da população brasileira, 90% com renda mensal inferior a R$ 3.422.
A abusiva desigualdade reflete um processo social que destroça o país, condena a economia à paralisia e é pano de fundo para violência, crime, depressão, desespero, doença e morte precoce. Do ponto de vista econômico, é o grande obstáculo para a formação de um mercado interno de massas, já que quanto menor a renda dos estratos mais pobres, menor é o consumo, e quanto maior a renda dos estratos mais altos, maior a acumulação de ativos financeiros, aplicados pelo 0,1% do topo em ações na Bolsa de Valores, títulos da dívida pública e outras formas de investimento.
A concentração da renda e riqueza conduz, ainda, a outras deformações antidemocráticas, já que o poder político, cultural e de comunicação do 0,1% é absurdamente superior aos restantes. Esse cenário corresponde à consolidação de um regime no qual o poder do povo, a democracia, é substituído pelo poder do dinheiro, a plutocracia.
Como a casta de milionários e bilionários detém o domínio do capital em indústrias, fazendas, bancos, redes comerciais e de serviços e meios de comunicação, as principais ferramentas para decidir o futuro da economia, da sociedade e do país estão nas mãos daquele 0,1% dos brasileiros. O Estado pode criar normas, regras e leis que impeçam a ditadura do dinheiro, mas quem controla o Estado em países capitalistas são os detentores de fortunas que abastecem as campanhas eleitorais, controlam a mídia e corrompem autoridades.
“O Estado poderia controlar o poder dos ricos, mas o fato é que os muito ricos, os grandes capitalistas, controlam o Estado, às vezes independentemente do resultado eleitoral”, afirma Altman, acrescentando que “a história vai dando razão a uma das mais célebres constatações de Karl Marx: o desenvolvimento do capitalismo ocorre concentrando riqueza em uma ponta e pobreza na outra, não como fenômenos paralelos, mas condicionados, pois a origem da fortuna dos capitalistas é exatamente a desapropriação e a exploração dos mais pobres, que nada mais têm a vender a não ser sua força de trabalho.”
Segundo o jornalista, não se trata apenas de acabar com os bilionários, mas fundamentalmente com o processo que os engendra, do desenvolvimento capitalista em seu estágio financeirizado, no qual a acumulação de riquezas se descola relativamente da criação de indústrias, empresas e empregos.
Esse processo condena a economia a sucessivas crises de superprodução, nas quais há um desencaixe entre a crescente oferta de bens e serviços e a capacidade cada vez mais reduzida de consumo da sociedade. A resposta do capital a essas crises cíclicas é recessão e desemprego, e os capitalistas recuperam seus lucros através do rebaixamento de salários e direitos e da apropriação dos fundos estatais que financiam suas perdas e a retomada de seus negócios.
À luz do marxismo, o caminho para extrair desigualdades e bilionários é revolucionário, de expropriar os expropriadores, diz o jornalista. Na prática, para que o Estado possa resolver os grandes estrangulamentos econômicos e sociais o caminho revolucionário marxista pressupõe o desaparecimento da propriedade privada dos grandes meios de produção, distribuição e crédito – grandes bancos, grandes indústrias, grandes fazendas. O caminho das reformas, portanto, corresponderia não à solução das desigualdades, mas a um acúmulo possível de forças em tempos de retrocesso continuado.