No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (04/06), o jornalista Breno Altman entrevistou o filósofo, músico e escritor Vladimir Safatle sobre o conceito de “revolução molecular” e a situação política no Brasil.
“Revolução molecular” é um conceito de Félix Guattari, que aborda a revolução não apenas do ponto de vista econômico e político, mas de todas as estruturas e formas de reprodução da vida social que de alguma maneira contribuem para a opressão e manipulação da classe trabalhadora.
A partir desse conceito, trazido para a realidade atual, Safatle defendeu a necessidade de que a esquerda “seja insurrecional e revolucionária, não legalista”. Para ele, a esquerda não conseguiu suportar as contradições de estar no poder e, por isso, acabou abandonando o discurso revolucionário, “o que só levou ao seu enfraquecimento”.
“Temos uma esquerda ligada a um legalismo suicida, que acredita que se seguirmos a lei, tudo vai funcionar bem, mas ninguém respeita a lei ou a Constituição. Acreditamos em um processo seguro e lento de mudança. Aí veio o golpe e nós não estávamos preparados, nos pegou de surpresa”, criticou o filósofo.
Nesse sentido, Safatle disse que as forças progressistas “precisam acordar”, pois “parte da população nunca teve democracia”. “Vivemos um período de contra-revolução. Não se trata mais então de melhorar a gestão pública ou fazer pactos para viabilizar políticas públicas. A direita quer refundar o Estado nacional. A esquerda precisa responsar com sua proposta de refundação. Nossa história está marcada por desaparecimento e genocídio, com um fascismo arraigado que só se fortalece”, argumentou.
Safatle afirmou, além disso, que a Constituição está desatualizada. Segundo ele, a prova disso é a quantidade de emendas constitucionais que foram aprovadas desde 1988. “A função do Congresso foi desconstituir a Constituição desde o início”, agregou.
Refundar o Estado
Para refundar o Estado, Safatle reforçou a importância de ir às ruas e lamentou que a esquerda demorou tanto em convocar manifestações presenciais. “O mundo inteiro estava em convulsão, apesar da pandemia. Se a gente tivesse derrubado o governo no ano passado, não teríamos 500 mil mortos”, justificou.
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Filósofo apontou para a necessidade da esquerda brasileira voltar a ser revolucionária
No entanto, o filósofo advertiu que não basta apenas ir às ruas e derrubar o governo. Faz-se necessário um plano posterior. Ele deu como exemplo a Itália: “Lutaram por 20 anos para tirar Silvio Berlusconi do poder, unia o país todo, era a tal da frente ampla. Mas quando ele finalmente saiu, apareceu algo pior. Então corre o risco de Bolsonaro ser o primeiro de uma série. Ele é alguém caricato, mas existe a possibilidade de aparecer outro menos caricato, pior”.
Aliás, esse foi o problema de 2013, como ponderou o filósofo. Em que a esquerda falhou em construir uma hegemonia durante as Jornadas de Junho, possibilitando o surgimento de grupos fascistas e a distorção dos protestos.
Eleições presidenciais
As eleições presidenciais de 2022 são essenciais nessa retomada de força da esquerda, como explicou Safatle. Para ele, é necessário pensar na luta política para além do pleito, para evitar que a história se repita.
“Bolsonaro vai moderar seu discurso. Apostar na Frente Ampla vai significar perder apoios e enfraquecer a esquerda. Me preocupa que estejamos nos organizando a partir de um calendário eleitoral”, refletiu.
Para o filósofo, a dinâmica das ruas é o que deve importar nesse momento. Ele acredita que se a esquerda conseguir construir uma hegemonia popular, isso culminará com a eleição de Lula, o evidente candidato das forças progressistas.
“Aliás, o que acontecer nas ruas vai influenciar os discursos eleitorais e precisamos ter cuidado com isso. Temo que Lula se converta em um Getúlio Vargas invertido. Temo que haja uma inversão e ele apareça como um candidato de centro, mais do que de esquerda”, disse.