No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA desta terça-feira (22/06), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, abordou o crescimento da rede Globo, de pequeno jornal diário fundado em 1925, até transformar-se no principal monopólio da imprensa brasileira.
Atualmente, a empresa da família Marinho controla meios de comunicação em todos os setores, da mídia impressa ao cinema, passando por rádio, televisão e internet, chegando a estar listada como a 17ª empresa do ramo no planeta. A TV Globo, seu carro-chefe, com cinco emissoras próprias e 119 afiliadas, era a segunda maior emissora do mundo em 2012, atrás somente da ABC norte-americana.
Mesmo com a queda progressiva da audiência da TV tradicional, “primeiro perdendo espaço para o cabo e, depois, para os serviços de streaming”, um em cada três televisores do país ficou sintonizado somente na Globo em 2020.
“Os donos da companhia buscam apresentar seu crescimento desde a fundação como um caso de sucesso empresarial. Mas a história prova que esse gigantesco polvo midiático foi alimentado pelas forças econômicas e políticas, incluindo a ditadura militar, às quais o Grupo Globo sempre esteve aliado”, defendeu Altman.
Tudo começou com a fundação de um jornal popular, em 29 de julho de 1925. Demissionário do diário A Noite, no início daquele mesmo ano, Irineu Marinho uniu-se a Herbert Moses e a Justo de Morais para criar um periódico que se pretendia popular, moderno e independente.
“Nome de batismo: O Globo. Era o final do governo Artur Bernardes e o jornal se caracterizava pela defesa dos interesses concretos dos cidadãos, fiscalizando e denunciando tanto a precariedade dos serviços públicos quanto a ganância desmedida dos grupos capitalistas. Na política, era claramente adversário da República Velha e simpático aos tenentes revoltosos, especialmente a Luiz Carlos Prestes, ironicamente um dos inimigos mais atacados pela família Marinho a partir dos anos 30”, relembrou o jornalista.
Irineu Marinho, no entanto, faleceu apenas 21 dias depois da criação do jornal. Seu filho e herdeiro, Roberto, então com apenas 21 anos, somente assumiria o comando do jornal em 1931.
Foi apenas sob o comando de Roberto Marinho que a orientação original do grupo começou a ser alterada. De acordo com Altman, o herdeiro, “muito atilado para os negócios”, se deu conta que a receita publicitária dependia de uma relação íntima com os grandes grupos econômicos do país e o próprio governo.
Assim, apesar de ter apoiado Vargas em seus primeiros momentos, “oscilava entre o governo e as velhas oligarquias que lhe faziam oposição, e que controlavam bancos e parte da nascente indústria”.
“O Globo viria a consolidar sua linha ferrenhamente conservadora a partir de 1934, quando passou a disparar seu ódio contra a Aliança Nacional Libertadora, frente popular dirigida pelos comunistas que ganhava muita força, com Prestes eleito para seu presidente de honra”, narrou o jornalista.
Embora Roberto Marinho não fosse aliado ao integralismo, o anticomunismo passou a ser marca registrada do jornal que comandava: “Relativamente discreto durante o Estado Novo, entre 1937 e 1945, nesse período O Globo começaria a consolidar relações com a Embaixada dos Estados Unidos, com grupos econômicos desse país e com setores da política e das Forças Armadas vinculados à oposição liberal contra Getúlio Vargas”.
A empresa foi favorável ao golpe que derrubou o antigo ditador em 1945, fez a campanha do brigadeiro Eduardo Gomes a presidente, pela União Democrática Nacional, e se acomodou ao governo do general Eurico Gaspar Dutra, entre 1946 e 1950, de clara orientação liberal e pró-imperialista.
Foi graças a essas alianças, aliás, que surgiu a TV Globo. A família obteve a concessão para desenvolvê-la, através da Rádio Globo, em 1957, durante o mandato de Juscelino Kubitschek, e o dinheiro veio de um acordo assinado com a Time-Life, dos Estados Unidos, em 1962. Roberto Marinho obteve um crédito de seis milhões de dólares da época, utilizado para comprar equipamentos e infraestrutura para a nascente TV Globo.
Globo e a ditadura militar
“No início dos anos 50, O Globo era um jornal relativamente de pouca influência. Durante o segundo governo Vargas, ao qual fez oposição sistemática e alinhada ao golpismo, O Globo era um diário de segunda linha, mas um empreendimento de sucesso, bem conectado com os donos do dinheiro grosso e os subterrâneos do Estado, onde já se urdia o levante militar-fascista que desembocaria no golpe de 1964. Roberto Marinho cultivava ao máximo sua aliança com os generais. O primeiro diretor de programação da TV Globo foi o capitão Abdon Torres. O chefe de obras da nova emissora, criada dois anos antes do golpe, um general, Lauro de Medeiros”, relatou Altman.
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Atualmente, a empresa da família Marinho controla meios de comunicação em todos os setores
Para ele, essa proximidade era símbolo de um pacto: “a ditadura fortaleceria o Grupo Globo, que por sua vez seria a ponta de lança na defesa do regime militar”.
Exemplo do auxílio que o regime prestava à emissora foi a liberação da empresa de qualquer acusação resultante da CPI da TV Globo, em 1965, questionando o acordo com o grupo Time-Life, pois a Constituição da época proibia a participação de capital estrangeiro na gestão ou propriedade das empresas de comunicação. O então consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da Costa, em 1967, legalizou integralmente sua situação e aceitou a versão de Roberto Marinho, de que o acordo era apenas de assessoria técnica, “curiosamente pago pelo próprio fornecedor ao cliente”.
Altman ressaltou que os favores eram constantes e deram à TV Globo as condições materiais para modernizar a emissora, montando uma equipe de alta qualidade profissional.
“Seu crescimento era tão forte e acelerado que o próprio regime militar teve seus momentos de receio. A monopolização era tão visível que o governo Ernesto Geisel (1974-1979) negou ao grupo de Roberto Marinho alguns pedidos de concessão para canais na Paraíba e no Paraná”, ponderou o jornalista.
Por outro lado, a “gratidão e o alinhamento do Grupo Globo com a ditadura eram inatacáveis”, até os anos 80. Altman citou como exemplo mais notório a omissão da TV Globo, por um longo período, da campanha das Diretas Já.
TV Globo pós-ditadura
“Com a redemocratização, o grupo se alinharia aos setores conservadores que comandavam a transição e continuaria a receber fortes benefícios”, enfatizou Altman.
Durante o governo Sarney, pôde ampliar sua rede de emissoras afiliadas, várias delas controladas por grupos políticos regionais. Para tanto, segundo o jornalista, a “moeda de troca eram os ataques furiosos a Brizola e a Lula, ao PT e à esquerda de forma geral, com um noticiário tendencioso e programas de entretenimento com mensagens de edulcoração das elites dominantes”.
Para Altman, a Rede Globo foi decisiva tanto para eleger Fernando Collor, em 1989, quanto para criar as condições de vitória para Fernando Henrique Cardoso, em 1994, por exemplo, e sua reeleição em 1998. No século XXI, “foi a espinha dorsal da oposição aos governos petistas, apesar dos governos Lula e Dilma terem preservado praticamente intactos os privilégios monopolistas do grupo”.
“Seu império continuou crescendo mesmo durante os governos petistas, aliás. A ilusão campeava solta, de que seria possível um acordo democrático e republicano com o Grupo Globo”, argumentou.
Nos primeiros anos do governo Lula, aumentaram os aportes de publicidade na TV Globo, “além de terem deixado caminhar sem pressa as investigações sobre suposta fraude fiscal da emissora”, com relação às receitas vindas da transmissão da Copa do Mundo de 2002.
Em números, no final do governo FHC, 49% das verbas publicitárias para televisão, do governo federal e das estatais, tinham sido direcionadas para a TV Globo. Em 2003, esse montante subiu para 59%, retomando para 49% em 2004, mas permanecendo ao redor de 52-54% até 2007, quando começa a cair, durante a gestão de Franklin Martins na Secretaria de Comunicação Social, e durante o governo Dilma, chegando a 36% em 2014, “quando o alinhamento da Globo a outro golpe de Estado era já saliente”.
“O fato é que esse império, intocado, embora já não tenha mais o mesmo peso que antigamente, até por conta da revolução tecnológica, constitui uma extraordinária trava contra a democracia e a liberdade de expressão, e precisa ser desmontado para o bem do país”, concluiu Altman.