No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (11/02), o diretor de redação de Opera Mundi, Haroldo Ceravolo Sereza, entrevistou Juliane Furno, economista e chefe do Instituto para a Reforma das Relações Estado-Empresa. Ela diagnosticou a situação econômica brasileira atual e propôs medidas de curto e longo prazo para sanar a crise em que o país se encontra.
Furno lembrou que essa crise, que é mundial, é anterior à pandemia, tendo se radicalizado com o coronavírus. Também destacou que, apesar do cenário atual ter evidenciado as limitações do neoliberalismo, o sistema não está com os dias contados e que as forças progressistas devem agir sobre as contradições do sistema.
“Não diria que o neoliberalismo está em crise, ou que o Plano Biden seja um sinal disso. Acho que dificilmente o cheque viria do bastião do sistema, que são os EUA. Agora, forças progressistas devem incidir sobre as contradições que estão se evidenciando. A pandemia mostrou que o Estado, que não queria pagar Bolsa Família para um monte de famílias que se qualificavam para receber o benefício por suposta falta de dinheiro, tinha dinheiro, arranjou dinheiro para pagar o auxílio emergencial. Então vários mitos foram sendo derrubados e a gente tem que aproveitar essa oportunidade para repensar o papel do Estado”, discorreu.
A economista reforçou a necessidade de se “combinar elementos de caráter emergencial com uma capacidade de planejamento no longo prazo para que o projeto não se esgote” e advertiu que retomar o processo de industrialização ou um programa de caráter social-desenvolvimentista não será fácil.
“Agora contamos com padrões internos e externos mais complicados, temos empecilhos de caráter muito mais estrutural. Além disso, acho que nunca se retoma nada do mesmo jeito, até porque hoje estão em jogo outras questões, como a ambiental ou a indústria 4.0, mas é necessário trabalhar pela reconstrução mesmo assim”, defendeu.
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Para economista, embora o neoliberalismo não esteja ameaçado, teve suas limitações evidenciadas pela pandemia
Problemas imediatos e reformas estruturais
“No curto prazo, temos que lidar com o desemprego, fome e ausência de motores que movam o mercado interno porque fazer a economia brasileira crescer é uma condição necessária para resolver a fome e o desemprego”, disse Furno.
Ela explicou que o Brasil tem um enorme mercado interno para o qual precisa ser criada uma dinâmica sustentável. Os motores da economia — que tradicionalmente são o automobilístico, o petroleiro e o de construção civil — devem ser estimulados pelo Estado para gerar emprego absorver trabalhadores que, em troca, viram consumidores, “com uma renda que não é corroída por inflação”, e então eles mesmos mantém o sistema.
“O Estado também é capaz de gerar emprego e frentes de trabalho, que é algo que não acontece aleatória ou espontaneamente em crises capitalistas. O Estado é o empregador em última instância, pode contratar as pessoas para cumprir tarefas emergenciais e isso também estimula a dinâmica interna”, sugeriu.
No longo prazo, ela enfatizou a necessidade de se criar um planejamento, inclusive separando os ministérios da Fazenda e do Planejamento. “Precisamos criar missões que lidem com problemas como o ambiental, que vai desde soluções rápidas de preservação como impedir queimadas, até outras mais complexas que têm potencialidade econômica e contribuem para resolver outros problemas também, como de direitos humanos”, argumentou.
Tanto em um caso, quanto no outro, a economista ressaltou a importância de se “radicalizar a ideia de que o Estado tem uma função fundamental na economia”, inclusive para permitir que o capital privado também atue.
Para colocar tudo isso em prática, Furno voltou a defender uma posição conhecida sua de aumentar o gasto público. Ela destacou que o Estado não tem cofres, que gasta criando moeda, não depende de “tributos prévios”. Assim, em épocas que a economia vai bem, o Estado arrecada mais e pode ir abatendo suas dívidas para que, em momentos de crise, com a queda no consumo, ele possa gastar mais.
Só que, atualmente, o Estado arrecada principalmente com consumo. A economista, então, apontou para uma reforma tributária progressiva — uma das tantas que listou a serem feitas —, de modo que os mais ricos financiem a atividade do Estado em momentos de desaceleração econômica, evitando um endividamento excessivo provocado pelo aumento de gastos públicos.
“E qual é o limite para esses gastos? O mercado interno, que consome, e a capacidade ociosa de produção, que, se não existe, gera inflação. Por exemplo, numa economia com capacidade ociosa, a gente aumenta em 100 reais o salário das pessoas e elas vão e gastam esse extra no bar, tomando cerveja. Vai haver um desequilíbrio inicial, porque a indústria não estava preparada para tanta demanda, mas, como ela tem capacidade ociosa, isto é, máquinas paradas por causa da crise, ela consegue rapidamente contratar mais gente e colocar essas máquinas para funcionar. Só que se você tem pleno emprego, demora para fazer esse reajuste, você depende dos empresários investirem em mais máquinas, etc, e aí gera inflação porque há uma demanda maior do que oferta. Aí está o limite”, detalhou.