No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (30/09), o jornalista Breno Altman entrevistou a cientista política e dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) Ana Prestes, que também é coorganizadora, junto com Diego Pautasso, do livro Teoria das Relações Internacionais – Contribuições Marxistas (Editora Contraponto e Editora Anita Garibaldi).
Segundo a analista, o mundo está presenciando a “uma decadência relativa da hegemonia norte-americana”. Esse cenário ainda pode ser revertido, devido às reservas tecnológicas, militares culturais e econômicas dos EUA, “mas eles mesmos revelam seus calcanhares de Aquiles: a preocupação com o 5G, as denúncias sistemáticas de espionagem chinesa. Eles vão demonstrando por onde eles mesmos têm medo de perder essa hegemonia”.
A analista também fez projeções sobre a construção de um mundo “multipolar”, não só pela decadência estadunidense, mas também pela ascensão da China, apontando que muitos analistas já falam em uma nova Guerra Fria entre os dois países.
“A diferença entre esta e a ‘velha’ Guerra Fria é que esta é totalmente geopolítica. Não estamos em fase de disputa entre dois sistemas e nem a China reivindica isso. A China faz sua disputa dentro do mercado, a União Soviética nem se colocava no mercado global”, ponderou.
Isso não significa, porém, que a polarização atual é menor do que a anterior. Prestes inclusive considera a possibilidade de que a disputa entre China e EUA desemboque em um enfrentamento militar.
“Acho que pode desembocar em um conflito militar. O mar do sul da China, principalmente agora com o acordo AUKUS, e a região de Taiwan são áreas conflituosas. Se Lênin estava certo, e eu acho que ele está, o sistema capitalista não sobrevive sem guerras e conflitos armados, então pode ser que aconteça algo nesse sentido”, argumentou.
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Hegemonia chinesa
Para a cientista política, mesmo que exista uma multipolaridade o mundo deve caminhar para uma hegemonia chinesa, graças à “força incontestável” da China, mesmo que ela não considere o país como imperialista, pois não busca exercer uma dominação por via militar e econômica.
“Se você tem uma contra-hegemonia, você vai ter uma hegemonia. Se o país da hegemonia está em decadência, a relação vai se inverter, sempre há um hegemon preponderante, mesmo num mundo multipolar”, enfatizou.
No entanto, a China ainda não chegou nesse ponto, pois nem do ponto de vista dos valores conseguiu construir uma hegemonia, ainda que esse seja o setor onde a analista pensa que o país mais disputa com os EUA.
“Durante a pandemia teve a tal da diplomacia das máscaras, a diplomacia das vacinas. No âmbito da OMS, enquanto o Trump saía e tirava dinheiro, a China colocava. Só que os EUA, mesmo com recorde de mortos, ainda era visto como a liderança a se seguir. Não se pode subestimar a disputa no campo da cultura e dos valores. Acho praticamente impossível que uma nação chegue ao status de hegemon sem ter minimamente difundidos seus valores pelo mundo”, refletiu.
Se a China conseguisse superar essa barreira, Prestes afirmou que poderia passar a ocorrer uma disputa entre sistemas, até porque “o que a China projeta para o mundo, de cooperação e crescimento conjunto, só é possível de existir sem o capitalismo”. Ela vê como contraditório pensar na China como nova hegemonia em termos capitalistas e disse que o potencial do país é levar, no longo prazo, “a uma superação do capitalismo”.
Posição da América Latina
Seja diante de uma multipolaridade ou nova hegemonia protagonizada pela China, Prestes defendeu que a América Latina não se alinhe à China: “Precisamos ter um processo de fortalecimento dos nossos países, mas a partir de uma disputa interna entre as nossas classes”.
A analista internacional também discorreu a favor do fortalecimento de blocos regionais e da integração sul-americana e latino-americana, “não necessariamente com moeda própria, mas para ter força para negociar de igual para igual com a China” e os outros países da era multipolar, como Rússia.
Nesse sentido, ela elogiou a ex-presidente Dilma Rousseff e a forma como tratava a relação do Brasil com a China e com os BRICS de forma geral.
Prestes também ressaltou que isso não significa que a China não deve ser vista como uma forte aliada do Brasil e da América Latina, principalmente para conseguir reformar as instituições internacionais, algo que ela vê como necessário: “O sistema atual só serve para a manutenção do poder que está aí hoje”.