As infelizmente já tradicionais enchentes de começo de ano na baixada do Mercado e em outros pontos da cidade chegaram. Desta vez um pouco mais cedo do que o previsto e com uma intensidade e violência ainda maior do que as últimas.
O preço que a cidade de São Carlos, os comerciantes, trabalhadores e usuários da área central e os moradores de outras regiões mais pobres, continuam pagando pela ocupação irracional do território da cidade é e será cada vez maior.
Isso não é nem desejo nem agouro. A brutal intensidade da tempestade que se abateu sobre a área urbana na última quinta feira tende a se repetir nos próximos anos. Por razões que estão fora de nosso controle e por razões que, sim, são de nossa responsabilidade.
Fora do controle imediato do município está o fato, reconhecido hoje pelos cientistas que se dedicam ao acompanhamento do aquecimento global, de que fenômenos meteorológicos extremos são e serão cada vez mais frequentes.
As precipitações intensas que castigam nossas cidades em toda temporada de chuvas, os episódios de secas e incêndios em vários pontos do planeta e os furacões do Caribe estão aí, estatisticamente, provando isso.
Mas também há aquilo que está, ou deveria estar, sob “nosso” controle. O tamponamento dos córregos, a desarborização progressiva, a crescente impermeabilização do solo e a extensão irracional da área urbanizável, não são fenômenos da natureza, mas a expressão de nossa incapacidade de colocar o bem estar do conjunto da população acima dos interesses econômicos de poucos.
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Não há desconhecimento técnico das razões desses desastres nem das medidas que podem e devem eliminá-las
Não há desconhecimento técnico das razões desses desastres nem das medidas que podem e devem – se não eliminá-los completamente – ao menos minimizá-los progressivamente.
Política intensa de rearborização da cidade; destamponamento e renaturalização dos córregos onde possível; construção de dispositivos de contenção e retardamento do rápido escoamento das águas; ampliação das áreas de proteção dos córregos e mananciais são algumas das medidas e políticas de curto, médio e longo prazos sobre as quais há pouca divergência entre os especialistas.
O que não há é organização efetiva da sociedade para exigir a sua implementação. E sobretudo contrapor-se ao predomínio dos interesses de curto prazo daqueles poucos que controlam o poder econômico e – lamento, mas é preciso dizê-lo – as instituições profissionais e o mal chamado poder público.
Podemos abrir uma longa discussão sobre o que fazer a médio e longo prazos. Mas há algo que é necessário fazer no curtíssimo prazo, hoje, amanhã, na semana e nos meses que vem. E isso é parar imediatamente de incorrer nos mesmos erros.
Na prática, isso significa parar imediatamente de insistir em “flexibilizar” o Plano Diretor e a lei de proteção aos mananciais.
Quando algo dá errado, reiterada e comprovadamente, a primeira coisa a fazer é parar de insistir no erro.
(*) Carlos Ferreira Martins é professor Titular do IAU USP São Carlos, conheceu a cidade quando ela ainda era a capital do clima e não notícia no Jornal Nacional.