Após 17 anos, os socialistas voltam a dominar com maioria absoluta o Parlamento português. Liderado pelo primeiro-ministro António Costa, o Partido Socialista (PS) obteve uma desafogada vitória semelhante à de José Sócrates em 2005, quando também ultrapassou o limiar dos 116 deputados.
Por que os portugueses votaram em massa nos socialistas?
Costa governava desde 2015 em minoria, junto ao Bloco de Esquerda (BE) e aos Comunistas (PCP), uma solução à esquerda inédita no país. A chamada “geringonça” pôs fim à política de austeridade decorrente do resgate financeiro de 2011 e impulsionou a agenda social. O país tornou-se uma referência internacional para os movimentos de esquerda na Europa, incapazes de se entender.
A Espanha, por exemplo, se inspirou nos portugueses para formar o governo entre os socialistas e o Podemos, em 2019.
O casamento começou a degringolar quando as propostas do Bloco e do PCP para reforçar as áreas da saúde, da educação e das aposentadorias não encontraram eco no governo. “O PS não fez nenhum esforço para considerar as demandas do BE e do PCP, mesmo que algumas fossem eventualmente exigentes”, estimou em conversa com a Opera Mundi o sociólogo Sérgio Santos Silva. Os comunistas, por exemplo, reivindicavam um plano nacional de creches com vistas à universalização.
O estopim veio em outubro de 2021, com a falta de acordo para o orçamento de 2022. Chegava ao fim uma relação de seis anos. O presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa, não teve outro remédio senão convocar eleições antecipadas.
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Partido de António Costa conquistou quase 42% dos votos, obtendo 117 das 230 cadeiras da Assembleia
Costa e a estratégia do voto útil
A estratégia de Costa foi ousada. A pandemia da covid-19 fez disparar sua popularidade, e Portugal virou manchete ao redor do mundo pelos seus índices de vacinação contra o novo coronavírus. Mas com a crise política e às vésperas da dissolução da “geringonça”, a sua popularidade havia despencado.
Costa não recuou face à convocação de novas eleições. Durante a campanha, a estratégia do antigo prefeito de Lisboa foi apelar ao voto útil para frear a ameaça dos conservadores.
O resultado do pleito, contudo, traz inquietudes. A extrema direita, que detinha um assento no Parlamento, se tornou a terceira força do país, com 12 deputados.
Já a esquerda ficou em frangalhos: o BE passou de 19 a cinco deputados, e os comunistas de 12 a seis.
Portugal é agora um dos poucos países da Europa com governo de maioria absoluta. Espanha, Itália ou Alemanha, por exemplo, contam com Executivos sustentados por complexas alianças. Porém, o cenário não traz boas lembranças para muitos eleitores, inclusive na esquerda.
O primeiro governo de Sócrates (entre 2005 e 2009) foi marcado por grandes manifestações nas ruas de professores e profissionais da saúde.
“Não sei se o país toleraria outro fracasso de uma maioria absoluta”, diz Santos Silva. “Pode suceder com o PS português o que aconteceu com os socialistas franceses, que (depois de ter governado entre 2012 e 2017) agora estão acantonados”, sintetiza.