As águas azuladas de Cancún, cidade conhecida como a “pérola do
Caribe”, permeiam o sonho de turistas do mundo todo. Principal destino
do México, o município de cerca de 700 mil habitantes recebe mais de três
milhões de turistas a cada ano – a grande maioria vinda dos Estados Unidos,
seguidos por canadenses e espanhóis.
Os turistas são como a norte-americana Beverly Alston, de Nova
Jersey, que vêm todo ano com a família para se hospedar em luxuosos resorts na região. “Amamos o México. Vamos voltar mais vezes”, diz ela
ao embarcar em um cruzeiro acompanhada da filha e do marido.
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Até a década de 1970, Cancún não passava de um vilarejo
de pescadores com cerca de dois mil habitantes. Apostando no potencial do
turismo internacional (70% dos turistas são estrangeiros), o governo
implantou uma urbanização voltada para o turismo de luxo.
Não tão longe das praias paradisíacas vivem os habitantes – quase invisíveis – de Cancún
Abriram-se largas avenidas, seguindo o modelo
norte-americano, abrindo espaço para as cadeias de hotéis – inicialmente o
plano inicial era construir não mais do que 200, oferecendo cerca de
17 mil quartos. Hoje em dia, há mais de 32 mil quartos de hotel em
Cancún, segundo dados da Prefeitura.
“Isso aqui é a Pequena Miami”, brinca o ativista Alejandro Eguiá
Liz, diretor da ONG Tzol K’in, que
trabalha com mexicanos que sofrem com os impactos do
turismo. Ele aponta para a zona hoteleira: uma faixa de 17 quilômetros
que margeia a praia com hotéis como Mariott e Hilton, além de resorts como “Casa de los Sueños Resort”, “Crown Paradise” e “Moon Palac”, cujos valores de diária
podem chegar até cinco mil dólares. A zona hoteleira também
oferece bares consagradas nos EUA, como Hard Rock Café e Hooters,
boates e lojas de luxo como Armani, Cartier e Dolce & Gabanna.
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Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Geografia do México, 67% dos turistas que chegaram à região em 2008 se hospedaram em hotéis cinco
estrelas, e outros 14% em hotéis de quatro estrelas.
“Nós vivemos muito longe de Deus e muito perto dos
EUA”, brinca Alejandro com a citação do ditador mexicano Porfirio Díaz, ao explicar que os habitantes não têm acesso às
praias da cidade. “Cada hotel tem sua faixa de areia com serviço de bar
e restaurante. As entradas, obrigatórias por lei, são de difícil
acesso”.
O pedreiro Daniel Paz Gómez, de 27 anos, conta que, embora
trabalhe construindo hotéis na beira da praia, raramente visita a orla.
“Se entramos, os seguranças vêm atrás da gente”, conta ele, que é do
interior da região de Chiapas, no sul.
Cancún é uma cidade de migrantes como Daniel. Atraídos
pela promessa de melhor remuneração e gorjetas em dólar, pessoas de vários lugares ajudaram a formar o mais vertiginoso fluxo migratório interno do
México. Estima-se que nada menos que 50 línguas nativas sejam faladas na
cidade. Até hoje, Cancún ostenta um dos mais altos índices de
crescimento urbano do país – 9% ao ano, segundo a prefeitura.
Mas essa diversidade cultural é escondida pelos hotéis,
segundo Alejandro, que, antes de se dedicar ao terceiro setor,
trabalhou como treinador de equipes em redes hoteleiras. “Os
trabalhadores não podem falar espanhol entre eles, imagine suas línguas
nativas”.
Passeando pela praia, os turistas canadenses Alana e
Donny Smith confirmam que não tiveram que falar uma só palavra em
espanhol desde que chegaram. “Os funcionários sempre se esforçam para
falar inglês”, diz Donny.
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Mas, para o carregador de malas Arturo Ek Rodríguez, o maior problema é mesmo o preconceito contra os indígenas, que
habitam a região desde tempos pré-colombianos. “Tive de procurar
muitos hotéis antes de conseguir este trabalho”, diz ele. “Disseram-me
várias vezes que eu não tinha a altura adequada e que não tinha o
perfil. Tinha de ter a pele mais branca e um biotipo mais europeu”,
explica.
“Os funcionários são ensinados a ser servis e nunca
reclamar”, diz Alejandro Eiguá. Uma terapeuta corporal que não quis se
identificar contou à reportagem do Opera Mundi que foi demitida do resort onde
trabalhava por tentar organizar as colegas de trabalho para reivindicar
melhores condições. O sindicalista Salvador Reyes Trinidad, dirigente da Federação
Revolucionária de Empregados e Trabalhadores, diz que muitos têm medo
de se filiar aos sindicatos. “A pressão é muito forte porque os
gerentes dizem que há muitos outros como você querendo o emprego”, conta.
Segundo ele, um dos grande problemas é o uso frequente
de contratos temporários de 28 dias que, na prática, retiram quaisquer
direitos do trabalhador. Segundo ele, grande parte dos trabalhadores
como construtores, faxineiros e encanadores trabalham com esses
contratos, renovados infinitas vezes. “No caso do setor
gastronômico, os hotéis costumam contratar empresas terceirizadas, que
não pagam a previdência e ficam mudando o empregado de hotel, evitando
qualquer relação duradoura com os colegas e patrões”, diz.
Outro problema é relatado pela imigrante
Rubí Argaez, que mora em uma das 300 favelas que se espalham pela
periferia de Cancún – quase sempre escondidas atrás de grandes avenidas
e terrenos baldios. “Eu vim com minhas duas filhas procurando uma vida
melhor, mas o sonho não se realizou”, conta. Segundo ela, o trabalho em
hotéis era desgastante demais porque frequentemente era obrigada a
cumprir jornadas duplas ou triplas sem poder voltar para casa, nem
reclamar. “Ficava com medo de deixar as meninas sozinhas”.
Rubí Argaez, ao lado de uma das filhas, faz bicos na construção civil e como babá
A favela Colonia Maracuya, onde Rubí mora, fica a cerca
de 20 minutos da zona hoteleira – mas parece um mundo à parte. Situada
atrás de uma enorme loja de departamentos no extremo norte da cidade, a
favela abriga cerca de 200 habitantes em precárias casas de madeira,
sem abastecimento oficial de eletricidade, água ou esgoto.
Rubí, que ganha algum dinheiro fazendo bicos na
indústria da construção ou como babá, conta que teve muitas
dificuldades para que as filhas fossem admitidas em uma escola pública.
“Não aceitavam minha declaração de que eu moro aqui na Colonia, já que
eu não tenho um comprovante oficial”, diz ela.
A crise
A crise mundial chegou a Cancún
de maneira violenta. Em 2008, o nível de desemprego subiu de 3% para
8%. Além do impacto na economia por conta da dependência econômica dos
EUA – que levou o PIB mexicano a uma queda de 6,5% em 2009 – a gripe suína afastou ainda mais os turistas, deixando milhares
de quartos de hotéis desocupados. Os mais afetados foram os
trabalhadores do setor.
No município de Playa del Carmen, em uma praia ao lado
da agitada rua Benito Juárez, dezenas de pedreiros ficam sentados desde
as seis da manhã à espera de um possível empregador que ofereça trabalho
por pelo menos um dia. Muitos carregam mochilas com ferramentas de
trabalho. Normalmente, o pagamento é de 150 pesos (cerca de 20
reais) mas, nos últimos anos as condições têm sido cada vez piores.
“Tem pouco trabalho agora,” diz o pedreiro José Louis
Bolaños. Nascido no interior, mas morando em Cancún há oito anos, ele
comenta que muitos dos empregadores não pagam o dinheiro devido.
“Esse cara aí não é de confiança”, explica, apontando para um
homem que estaciona um furgão ao lado da praça e logo é cercado por uma
dezena de candidatos ao trabalho. “Trabalhei com eles uma semana e
depois ele desapareceu. Fiquei sem o dinheiro”.
Para amenizar o impacto da crise, uma das estratégias
usadas por agências de turismo e redes hoteleiras no balneário mexicano
de Cancún tem sido apostar
ainda mais nos pacotes com “tudo incluído” no preço. O visitante paga
bem menos pelo voo, incluindo todas as refeições, estadia e diversão
no próprio hotel. Dentro dos resorts, há restaurantes, boates, clínicas
de massagem, salão de jogos e até shows exclusivos para os hóspedes.
“Parecem verdadeiras mini-cidades”, diz Astrid Cavazos, gerente do
hotel Porto Royal. Ela admite que os comerciantes locais não podem
competir, já que os preços oferecidos pelos pacotes são muito mais
baixos.
O comerciante Rubén Cahán, dono de uma lojinha de
lembranças a oito quarteirões dos resorts de Playa del Carmen, diz que
muitos turistas nem chegam a sair do hotel, o que tem um sério impacto
nos negócios. “Está cada vez mais difícil”, diz ele. “Alguns turistas
falam que as lojinhas de nativos ficam muito longe”.
*Texto e fotos
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