O poeta, escritor, tradutor, professor e ativista Serhiy Zhadan tem um talento perceptível já na primeira frase. Inerte, mas afiado, ele é capaz de emitir uma ironia atrás da outra sem subir uma sobrancelha, esboçar um sorriso, mudar a direção do olhar. Frieza bem medida de um “anarquista pacífico”, como se autodeclara, que logo se reveste de palavras.
“A consciência humana reage ao ritmo da linguagem. Qualquer poema ruim lido de um palco vai ter mais impacto que o discurso de um político”, disse. “A diferença entre poesia e prosa é que a poesia atrai as pessoas pela irracionalidade, e a revolução muitas vezes é irracional em seu cerne”, emendou.
Refugiados
Carregue consigo o que é mais importante
Nunca voltaremos (…)
Correremos durante toda a noite (…)
Haverá uma lista tão longa de mortos |
Zhadan usa da experiência própria para argumentar. Figura presente na praça ocupada por ativistas de sua cidade natal Kharkiv durante os protestos contra o governo de Viktor Yanukovich, em 2013, ele se tornou um dos nomes mais proeminentes nos setores revolucionários da Ucrânia – e um dos poetas mais conhecidos e admirados.
Um de seus poemas recentes, que você lê ao lado em tradução livre, apresenta os percalços dos refugiados do leste da Ucrânia, hoje epicentro do conflito entre o país e as forças pró-Rússia.
Poesia como bandeira
Próximo de completar 40 anos, Zhadan já se vê como um veterano em revoluções. Suas influências são concentradas em escritores americanos da geração beat e outros poetas marginais, como Charles Bukowski, quem ele traduziu para o ucraniano, assim como a obra de Taras Shevschenko, principal nome da literatura ucraniana do século 19.
O mosaico de autores e a verve marginal rendeu a Zhadan uma posição influente na literatura do leste europeu. Seus livros oferecem uma visão particular da ebulição social e política na Ucrânia no começo dos anos 1990 – um cenário que atravessa quase todo o bloco de países da região. Para ele, a poesia é uma forma importante de responder a esses processos e, acima de tudo, um elemento unificador em momentos de convulsão.
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“Metaforicamente, o poema não é uma arma, mas uma bandeira. Quando uma ação militar acontece, não há função para a bandeira, não dá para atirar em alguém com uma bandeira. Mas, ao mesmo tempo, a bandeira é muito importante como um marcador para unir as pessoas”, afirma.
O caráter antissistema da poesia, segundo Zhadan, gera uma linguagem universal capaz de mobilizar pessoas em todas as partes do mundo. “Inimigos podem ter rostos diferentes”, ressalta o autor a Opera Mundi. “A revolução ucraniana foi contra uma ditadura corrupta. No geral, todas as revoluções têm uma proposta antissistema. Então qualquer poema escrito contra o sistema pode ser entendido em qualquer língua.”
Roberto Almeida/Opera Mundi
O escritor ucraniano Serhiy Zaidan
Trainspotting ucraniano
A fama do escritor, porém, chega aos poucos aos leitores de língua inglesa. Zhadan, que deu aulas de literatura na Universidade de Carcóvia entre 2000 e 2004, publicou sete livros de prosa, sete de poesia e foi responsável por algumas antologias.
Somente ano passado, Depeche Mode (Glagoslav Publications, 200pp.), novela publicada em 2004, recebeu tradução para o inglês. As críticas foram bastante positivas. O texto ganhou comparações com o cultuado Trainspotting, do escocês Irvine Welsh – revestido de doses cavalares de vodka e política.
Em Depeche Mode há uma profusão de milicianos, comunistas, anarquistas, jornalistas, empresários e figuras antisssemitas que ilustram uma adolescência violenta e embotada. O narrador é o próprio Zhadan, que se prova um grande frasista.“Nada subestima tanto um carma quanto a política torta de um país” é um bom exemplo retirado do livro.
Bejan Matur |
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Kutti Revathi |
Em março deste ano, Zhadan foi atacado por separatistas pró-Rússia, o que lhe rendeu uma fratura na mandíbula. Ele conta ter se recusado a beijar a bandeira do país. Desde então, tem passado mais tempo fora da Ucrânia. “Não tenho sistema ou algarismo, eu escrevo espontaneamente. Eu viajo muito então muitas coisas são escritas em aviões, hotéis e trens. A melhor condição, claro, é quando estou sozinho e ninguém me incomoda”, disse Zhadan a Opera Mundi.
Se ele considera o poder transformador antes de escrever, seja para o bem ou para o mal? A resposta vem com bom senso de humor. “É muita responsabilidade – especialmente se você tem leitores”, brinca. “Não necessariamente leitores entendem o jeito que você escreveu. Mas é preciso sempre ter em mente: muitos tiranos leram boa literatura na infância.”
Tradução da entrevista: Anastasia Popola