Em 7 de setembro de 1986, o grupo armado de esquerda Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR) tentou matar o ditador Augusto Pinochet (1973-1990), que já governava o Chile há 13 anos em regime de tortura e extermínio. Fizeram uma emboscada, atiraram contra ele, mas erraram.
Atirando de cima de um morro, um grupo de 21 guerrilheiros atacou Pinochet com granadas, fuzis e lançadores de foguetes enquanto o ditador passava pela rodovia com sua comitiva. E embora vários de seus seguranças tenham sido abatidos, os projéteis não penetraram no carro blindado em que o chileno estava.
Pouco antes de o motorista de Pinochet realizar uma manobra espetacular para fugir do tiroteio, um jovem fuzileiro chamado Mauricio Arenas, determinado a matar Pinochet, chegou o mais perto que pôde com seu rifle M-16, de fabricação norte-americana, da janela onde estava o ditador e lançou uma saraivada final desesperada.
As balas não conseguiram penetrar no vidro blindado da Mercedes Benz presidencial que fugia para a serra, mas deixaram uma marca que, posteriormente, os direitistas interpretaram como a imagem da Virgem do Perpétuo Socorro, alimentando o mito de que ela teria sido encarregada de salvar o ditador.
E, embora a coragem de Arenas o tenha deixado na história do Chile como uma das pessoas que mais perto esteve de assassinar Pinochet, se dizia que ele não era muito bom no futebol.
“Ele estava sempre no banco de reservas”, disse à Sputnik Nicolás Andrade, atual secretário político do Orompello Club, que completa 90 anos neste 18 de setembro. Andrade é especialista na história da equipe que, nos anos 1970, treinou Arenas e três outros jovens rebeldes e talentosos, que, depois de derrotar seus rivais em campo, se uniram para planejar a queda da ditadura.
Azul e amarelo
Em 1930, descendentes de alemães e italianos fundaram o Orompello Social and Sports Club, em Valparaíso, time de futebol amador que fazia sucesso relativo até meados da década de 1970, quando contratou Óscar Gallardo.
Gallardo é um dos mais renomados treinadores de Valparaíso, liderando jogadores profissionais como David Pizarro (que jogou no Manchester City e no Roma) ou Reinaldo Navia (jogador do América e do Racing). Seu bom olho para reconhecer talentos permitiu-lhe criar um time dos sonhos, recrutando três estrelas de Buenos Aires: Fernando Larenas e os irmãos Iván e Mauricio Norambuena.
Com Larenas e Norambuena no campo – e Arenas no banco de reservas – o time azul e amarelo venceu, invicto, o campeonato Associação Valparaíso e outros torneios. E, enquanto o Orompello se enchia de triunfos e sua popularidade crescia como espuma, criou-se, em paralelo, a parte cultural do clube.
“Esta parte foi um dos berços da luta social e da oposição à ditadura de Pinochet no morro Esperanza de Valparaíso”, explicou Andrade. O especialista disse que, após as partidas, a área cultural organizava eventos e atividades para os moradores do morro, e foi nessas favelas que se estabeleceram laços entre grupos ligados à esquerda com os quatro jogadores que acabariam fundando uma das células do FPMR em 1983.
“Os dirigentes do clube eram de direita, apoiavam a ditadura e viam com desconfiança esse ramo cultural. Mas os jogadores tinham carta branca para realizar suas atividades, pelas vitórias que vinham conquistando”, disse Andrade.
Sob a guarda do braço cultural do Orompello, e secretamente ligados à Juventude Comunista de Valparaíso, os jovens começaram a perpetrar os primeiros atos de subversão ao regime, como impressão de panfletos, pinturas de paredes e alguns apagões parciais. Essa seria a gênese do que mais tarde foram os ataques perpetrados pelo FPMR durante a década de 1980, como sequestros ou ataques com explosivos.
E o ataque a Pinochet, claro.
Equipe
Hoje, o Orompello concentra suas forças no trabalho social, com foco nas crianças da serra de Valparaíso. Atualmente, ajuda no combate ao novo coronavírus, apoiando algumas tarefas que o município não tem condições de realizar.
Mas o que aconteceu com a equipe estelar de Orompello em 1976? Nicolás Vidal, autor do livro Cambio de Juego, no qual dedica um capítulo à relação do FPMR com o futebol, contou para Sputnik o que aconteceu com os jogadores.
Mauricio Hernández, o lateral direito da equipe, foi um dos principais dirigentes da Frente, liderando muitas das principais ações de resistência violenta contra o regime, incluindo o ataque a Pinochet. Em 1993, ele foi preso e, em 1996, escapou da prisão em um helicóptero. Viveu escondido até 2002, quando foi preso no Brasil, por conta do sequestro do publicitário Washington Olivetto. Hoje, cumpre sua pena no Chile.
Iván Hernández, zagueiro do Orompello, era do FPMR, mas estava em segundo plano. Atualmente, mora no Chile e ainda está vinculado ao clube.
Fernando Larenas, o goleiro-estrela do time, era um dos grandes comandantes da Frente, mas não conseguiu ser um dos fuzileiros contra Pinochet porque, em outubro de 1984, agentes da polícia secreta da ditadura o abordaram na rua e lhe deram um tiro na cabeça. Larenas lutou ficou meses em uma clínica, até quando, por descuido dos médicos, militantes da Frente conseguiram resgatá-lo e tirá-lo do país. Em Cuba, “el Loco” conseguiu se reabilitar e atualmente vive no exterior, embora com várias sequelas neurológicas.
Mauricio Arenas, o eterno “reserva”, foi preso pelos agentes da ditadura depois de quase matar Pinochet. No entanto, ele voltou à ação em 1990, quando escapou da prisão com outros 24 militantes da Frente cavando um túnel de 60 metros, conseguindo a maior fuga da história das prisões chilenas. Posteriormente, morreu na Argentina de câncer de pulmão.