Meu pai sempre me dizia o mesmo velho ditado: “o copo pode ser visto como meio cheio e meio vazio”. E então ele esclarecia: “eu lhe disse meio cheio e meio vazio… são os dois ao mesmo tempo”.
Essa era sua maneira de me explicar que qualquer fato deve ser observado de várias perspectivas, e não de uma forma seletiva. Em outras palavras, é preciso olhar para o fato de uma ou outra forma, daqui e dali, com esta e aquela abordagem.
Esse conselho é muito útil para evitar uma visão parcial e tendenciosa dos eventos em qualquer momento da vida. E, é claro, também é recomendável para qualquer análise política.
Na Argentina, a ascensão de Milei nos últimos dois anos foi tão colossal que causou um eclipse de perspectiva. Em resumo, o “choque Milei” fez com que este fenômeno fosse explicado de forma totalizante. O que foi inicialmente subestimado agora é superestimado; o que foi ridicularizado e descartado nos primeiros meses tornou-se algo grandioso nas últimas semanas.
O último estudo do CELAG (pesquisa presencial, 2,5 mil casos, em todo o país) mostra que não se trata nem de uma coisa nem de outra.
Politicamente, Milei tem um piso sólido e um teto firme.
Isso significa algo tão simples quanto o fato de que há uma parte da população argentina que o apoia (30-40%) e outra parte que não o apoia (60-70%). Ou seja, nem toda a sociedade é homogênea em relação a esse fenômeno político. Assim como em qualquer família, haverá os que são a favor e os que são contra.
Devido à sua ascensão meteórica, muito ênfase tem sido dada à solidez do candidato, mas muito pouco tem sido dito sobre sua impossibilidade de crescer ainda mais politicamente.
Radio Infinita
Javier Milei, atual candidato de extrema-direita na Argentina, durante o Fórum Econômico Mundial no Panamá, em 2014
Por que nós do CELAG afirmamos que Milei tem um teto político rígido e inegociável?
O mais interessante em uma pesquisa são as letras miúdas escondidas por trás das intenções de voto. Aqui estão algumas descobertas que sustentam nossa tese:
1. Quando perguntados sobre sua maior fraqueza, 30,4% responderam que Milei é violento; 21,2%, que ele é uma farsa; 19,7%, machista; apenas 28,7% não disseram nada contra ele.
2. 40% acham que suas ideias são interessantes e originais; o restante acredita que elas são impossíveis de serem implementadas.
3. 37,7% acham que Milei é uma pessoa corajosa e autêntica; o restante o considera emocionalmente instável.
4. 59,1% têm uma opinião negativa sobre o líder libertário.
5. 33,2% estão de acordo com a opinião de que os argentinos vivem uma época muito semelhante à de 2001 (que é o que Milei argumenta).
6. 37,2% concordam com a ideia de que todos os políticos são uma casta (o restante não concorda).
7. Aproximadamente 60% da sociedade é a favor de: a) estatização do lítio, b) manter a empresa de aviação Aerolíneas Argentinas como uma empresa pública, c) taxar os mais ricos, d) manter os planos sociais para os mais necessitados, e) ter um Estado mais ativo na distribuição de terras para moradia própria, f) as empresas de energia Edenor e Edesur devem deixar de ser privadas.
Esses são dados robustos que, somados à intenção de voto da pesquisa CELAG (33,2%) e aos últimos dados reais que temos das eleições primárias PASO (29%), nos permitem afirmar que grande parte da sociedade argentina não compactua com o projeto político de Milei. Não o apoia. Frente o candidato, diz: “basta”.
Isso implicaria dizer que esse teto político é seu teto eleitoral? Não. Porque, como bem sabemos, em algumas situações, quando há três rivais e um deles fica para trás, o “voto útil” pode aparecer. E nessa conjuntura eleitoral na Argentina, se Bullrich ficar para trás, é provável que uma certa porcentagem de seus eleitores, que não acreditam mais que ela será presidente, vote em Milei com o objetivo de impedir que Massa vá para o segundo turno. Portanto, se trataria de um voto tático de última hora. Se isso acontecesse, o teto eleitoral de Milei seria maior do que seu teto político.
Mas isso não é uma certeza. É um cenário possível, que ainda está em aberto. Tudo dependerá da evolução de muitas variáveis daqui até a última semana da eleição.
Por enquanto, a única certeza é que não devemos nos esquecer de que Milei tem um teto político muito firme, apesar de sua solidez.
(*) Alfredo Serrano Mancilla é PhD em economia pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB). Ele é especialista em economia pública, desenvolvimento e economia global. É colunista convidado do Página 12, La Jornada, Público, Russia Today, e atual diretor executivo do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG).
(*) Tradução de Pedro Marin.