Neste ano fomos telespectadores de mais uma tragédia brasileira: as enchentes e inundações do Guaíba e o alagamento de cerca de 95% das 497 cidades gaúchas, que vem sendo considerado o maior desastre climático da história do Estado do Rio Grande do Sul. Muitas mortes ocorreram e mais de 580 mil pessoas estão desalojadas, além do cenário distópico que tomou conta dos noticiários. Será necessária a reconstrução do Estado e isso deve durar um período extenso.
Ao mesmo tempo, neste ano serão realizadas as eleições em todos os municípios brasileiros, e com isso surge uma dúvida: como será o pleito eleitoral nesses municípios atingidos pelas inundações?
Há agentes políticos pautando o adiamento das eleições em território gaúcho. Todavia, se há uma surpresa positiva é a de que os prejuízos das enchentes, no âmbito das instalações e dos equipamentos da Justiça Eleitoral gaúcha, provavelmente não impedirão a realização das eleições.
A presidenta do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, publicou um relatório em que destaca os prejuízos até agora identificados em relação aos servidores, imóveis e equipamentos da justiça eleitoral. Dentre os prédios inundados, encontra-se a sede do próprio Tribunal Regional Eleitoral, que em 3 de maio teve a garagem/subsolo atingido, o que resultou no desligamento, no desmonte e na remoção de equipamentos de Tecnologia da Informação localizados naquele local. No dia seguinte, o alagamento atingiu o 1º andar (térreo) da mesma sede. O relatório informa que servidores do Tribunal, com o auxílio de botes e de equipamentos de proteção, acessaram o prédio e transportaram equipamentos de informática para andares superiores, antes da elevação das águas, além de ter ocorrido o desligamento preventivo do datacenter localizado no prédio, em razão do corte no fornecimento de energia. O que se constata é que, mesmo com a subida crescente e rápida do nível das águas do rio Guaíba, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul conseguiu agir mitigando as repercussões das chuvas em seu trabalho.
Mas as urnas eletrônicas não saíram ilesas. Embora ainda sejam dados preliminares, o relatório informa que houve avarias nas urnas eletrônicas armazenadas nos cartórios de Arroio do Meio, São Sebastião do Caí e São Jerônimo, num total de 504 unidades danificadas. A maior quantidade de avarias deve ocorrer na capital, Porto Alegre, uma vez que o depósito central foi atingido, sendo que das 13.321 urnas armazenadas, estima-se perda de entre 5000 a 8000 unidades, mas mais da metade são de modelos que não seriam utilizadas nas eleições deste ano. O relatório conclui, portanto, que “como o estoque total no Estado é de aproximadamente 41.000 urnas (contando modelos antigos em substituição), e são necessárias aproximadamente 30.000 urnas para a realização do pleito, a Secretaria de Tecnologia da Informação avalia, num primeiro momento, que do ponto de vista quantitativo não haveria risco muito alto de prejuízo à eleição”.
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(Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
O adiamento da data da eleição é matéria afeita às emendas constitucionais, uma vez que o artigo 29, incisos I e II da Constituição Federal, estabelecem que o pleito eleitoral deve ser direto e simultâneo em todo o País, e a eleição municipal deve ser realizada no primeiro domingo de outubro do último ano do mandato municipal. Há que se alterar, portanto, o calendário eleitoral.
Durante a pandemia da Covid-19, houve a aprovação da emenda constitucional n.º. 107, de 2 de julho de 2020, que adiou o pleito eleitoral para o dia 15 de novembro, primeiro turno, e para o dia 29 de novembro de 2020, segundo turno.
O que podemos comemorar, mesmo diante dessa tragédia ambiental e humanitária, é que o planejamento prévio das eleições e o seu aprimoramento realizado pela Justiça Eleitoral brasileira evidenciam que este evento catastrófico muito provavelmente não vai inviabilizar as eleições municipais deste ano no território gaúcho. Apesar das decisões políticas de gestão ambiental e urbana tomadas nos últimos anos estarem impactando negativamente as vidas dos eleitores gaúchos, há grande probabilidade destas serem julgadas nas eleições deste ano. Além das urnas eletrônicas, os rearranjos de locais de votação, locais para a preparação das urnas, transporte de eleitores, e outros temas correlatos ao obrigatório afastamento de muitos eleitores de suas áreas de residência, serão desafios a serem enfrentados pela Justiça Eleitoral brasileira, que vem demonstrando, a cada ano, maior higidez e confiabilidade.
(*) Renata Martins Domingos é advogada, Mestre em Direitos Humanos e já trabalhou em várias campanhas eleitorais assessorando juridicamente candidaturas. Também já foi gestora pública e exerceu o cargo de Secretária de Saúde da Prefeitura do município de Conde, Paraíba.