Para ter uma ideia de como deve ser a vida para um negociador do G-20 (grupo de países ricos e potências emergentes), dê uma olhada no resumo do New York Times sobre a aparente vitória dos EUA
em ganhar apoio no Conselho de Segurança da ONU para novas sanções contra o Irã em relação ao programa nuclear do país.
Na terça-feira, a secretária de Estado Hillary Clinton anunciou que tinha negociado um projeto de acordo, finalmente obtendo apoio das relutantes Rússia e
China, e passando por cima de um compromisso que os neófitos Brasil e Turquia tinham conseguido do Irã na véspera.
“Este anúncio é uma resposta tão convincente aos esforços realizados em Teerã durante os últimos dias como qualquer outra que poderíamos fornecer”, disse
Hillary na Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, descrevendo o acordo como um projeto “forte”, segundo o NYT.
E, se não fosse por uma coisa chamada Internet, essa seria a história na quarta-feira. Mas, por causa dessa coisa chamada Internet, o New York Times pode atualizar
sua matéria o tempo todo. Quando o sol nasceu em Moscou, o jornal buscou devidamente a reação da Rússia sobre a proposta “forte” de Hillary. Acontece que o
projeto de resolução pode ter um pouco menos de força do que à primeira vista, já que um porta-voz do ministério das Relações Exteriores russo disse ao NYT
que o acordo Brasil-Turquia merece um olhada mais atenta.
“Nossa posição é dar a eles outra chance”, disse o diplomata russo sobre a aparente disposição do Irã em enviar seu urânio enriquecido para a Turquia.
“Devemos levar em conta esta manifestação de boa vontade por parte do Irã”.
Um número enorme de coisas pode estar acontecendo aqui. Hillary pode ter exagerado sua posição em uma tentativa de forçar uma resolução. A Rússia pode estar
fazendo jogo duplo, tentando entrar no jogo diplomático por ambos os lados. E não subestime a possibilidade de falhas na comunicação, mal-entendidos ou
alguma outra forma de falha burocrática. Para mais especulação bem informada, ver Daniel Drezner, um ex-funcionário do Departamento do Tesouro dos EUA e um
dos blogueiros acadêmicos originais, que também está intrigado com o anúncio de dois acordos diplomáticos distintos sobre o Irã em 36 horas.
Mas uma coisa está clara em todo este processo: os EUA não estão mais no comando dos assuntos do mundo. Ou, em outras palavras: a Casa Branca pode ainda ser
presidente e executivo-chefe da ordem global, mas deve lidar com a intenção de um bloco forte de acionistas ativos em exercer maior influência sobre a forma
como a empresa é gerenciada. O surto de diplomacia em torno do Irã nos últimos dias é a nova ordem mundial tomando forma em tempo real.
Há evidência dos EUA preferindo alcançar seus objetivos por meio do Conselho de Segurança da ONU, um pequeno espaço onde definir e influenciar a pauta é uma
questão muito mais simples. Esta preferência também explicaria o recente interesse dos EUA no processo do G-8, que, depois de abandonado à míngua, de repente
está dando novos sinais de vida, como o professor Alexandroff Alan, da Universidade de Toronto, comentou no blog G-20 do Centro Internacional de Inovação em
Governança. As velhas potências podem já estar ansiando pelos velhos e bons tempos.
Tacada
O contraponto para os EUA neste realinhamento do poder mundial é o Brasil e seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Ao contrário da China e da Rússia, que
nem sempre consideravam as potências “emergentes”, o Brasil sob Lula é como um jogador de hóquei baixinho que acaba de aprender como dar uma tacada certeira.
O Brasil é o mais voltado para fora das nações dos BRIC, no que parece ser um esforço para fomentar um pólo de influência alternativo ao G8 (coitada da
Rússia, pega no meio dos dois). No Fundo Monetário Internacional, o diretor-executivo do Brasil, Paulo Nogueira Batista, fez muito caso para o fato de que os
páises do BRIC mantiveram um veto sobre a forma como uma linha de crédito recém-expandida – a NAB (Novos Arranjos para Empréstimos), de 550 bilhões de
dólares – será utilizada, porque eles estão entre os maiores contribuintes.
A intervenção de Lula na situação do Irã representa seu chute mais forte até agora. Vamos ver se ele marca o gol ou manda a bola pra fora.
*Kevin Carmichael é jornalista e cientista político canadense, especializado em economia internacional. Artigo originalmente publicado no jornal canadense The Globe & Mail. Tradução: Opera Mundi.
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