Por diferentes razões, as universidades (paulistas, federais e estadunidenses) estiveram nas bordas do noticiário nos últimos dias. O que não é pouco em tempos de enchentes inéditas no Rio Grande do Sul e milhões de camisetas verde e amarelas não-bolsonaristas em Copacabana.
As estaduais paulistas tiveram um breve lampejo de noticiário quando o ex-capitão Tarcísio enviou à Assembleia Legislativa a LOA (Lei Orçamentária Anual) para 2025, em que incluía na dotação destinada às três estaduais (USP, Unicamp e Unesp) duas outras faculdades isoladas e a UNIVESP, a pouco conhecida universidade estadual à distância.
A medida causou surpresa entre os dirigentes universitários que se apegam a um compromisso verbal do então candidato a governador de respeitar as prerrogativas das universidades. Compromisso que teria como uma espécie de fiança a indicação do respeitado ex-reitor da USP, Vahan Agopyan, como Secretário Estadual de Ciência e Tecnologia.
Depois de uma tímida nota do CRUESP (Conselho dos Reitores das estaduais) pedindo diálogo com o governo, foi possível alardear que o “governador recuou de sua intenção” e não mais incluiria outras unidades na dotação das três universidades.
Para entender o breve lance de xadrez, é importante lembrar que as três universidades recebem 9,57% da cota parte estadual do ICMS desde 1989, por força de um decreto do então governador Orestes Quércia. Decreto nunca transformado em lei e menos ainda em dispositivo constitucional. Sujeito, portanto, a chantagens e ameaças dos governadores a cada ano.
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(Foto: Francisco Cepeda / Governo do Estado de SP)
Isso significa, na prática, que as estaduais estão a cada ano de pires na mão, não para pedir aumentos, mas para garantir a simples manutenção de uma dotação definida há mais de 30 anos.
Mas é curioso que um governador que diz não estar “nem aí” com a opinião pública ou instituições internacionais condenando sua política de segurança, “volte atrás” desse item de sua lei orçamentária diante de sussurros de preocupação dos dirigentes universitários.
Parece mais plausível compreender esse gesto como um recado claro do que pode fazer a qualquer momento. Dado que ninguém duvida de que a Assembleia Legislativa aprovará o que ele quiser, o recado sobre quem é o gato e quem são os camundongos está dado.
E é esse gato que escolherá os reitores das três universidades em 2025 (Unicamp e UNESP) e 2026 (USP) a partir das listas tríplices elaboradas pela universidades. O outro ex-capitão, seu padrinho e mentor, não respeitou as listas das universidades federais. Seu antecessor não imediato no governo estadual, José Serra, em 2010 também não respeitou a ordem da lista na USP, lançando a universidade numa das maiores crises financeiras e institucionais em décadas.
Mais incerta e complexa é a situação das universidades federais. A greve por reajuste salarial e aumento das dotações de custeio e capital atinge, quando escrevo esta coluna, 40 das 69 universidades e 7 dos 38 institutos federais, segundo o site da ANDES, entidade nacional dos docentes do ensino superior.
Os defensores da greve alegam que o governo federal concedeu reajustes salariais a categorias como as polícias federal e rodoviária, os auditores fiscais e outras, enquanto ignora uma categoria que já sofreu arrocho e agressões constantes por parte do governo Bolsonaro.
Em tempo de cobertor curto e pressões do Congresso por mais verbas para os diferentes lobbies empresariais e políticos, deixar de exercer a greve como instrumento de pressão equivaleria a aceitar o processo de desmobilização geral dos movimentos sociais, deixando assim o governo federal sujeito apenas à pressão dos setores retrógrados e privatistas.
É fato que a dotação para as despesas discricionárias (tudo aquilo que não é obrigação fixa, como salários), de investimentos em obras e equipamentos até manutenção dos campi ou dotação para apoio à permanência estudantil, está congelado desde 2014.
Sem questionar a justeza das reivindicações, muitas Associações de Docentes e de Servidores decidiram não aderir à greve. Entre os argumentos para essa posição há os de caráter ideológico/partidário, como o de que a entidade nacional não se dispôs a fazer greve durante um governo que a atacava diariamente e agora o faz contra um governo francamente favorável à educação pública.
Mais importante, a meu juízo, é a reflexão sobre como se realiza e quais os efeitos concretos de uma greve no ensino público superior. Usualmente, a greve docente não é uma cessação de todas as atividades, mas apenas do ensino de graduação e, eventualmente, pós. Atividades como pesquisa e orientação, sujeitas a prazos, financiamentos e fiscalização por agências externas à universidade, não são, em geral, suspensas.
Assim, na prática, o prejuízo fica concentrado sobre os alunos que não conseguem permanecer na universidade e têm que conviver com remanejamentos de calendário que atrasam seus processos de conclusão dos cursos, o que obviamente afeta de forma mais grave os estudantes carentes, ingressantes por cotas sociais ou étnicas, e que hoje constituem cerca de 50% das matrículas.
Há aqui um perverso e involuntário ciclo vicioso. Sem verbas para a política de permanência estudantil, o que inclui alojamento, alimentação e bolsas de apoio, são esses os estudantes mais prejudicados e com a greve também.
Cabe torcer para um acordo que contemple as justas reivindicações salariais, mas não o faça em prejuízo da dotação para as despesas discricionárias, privilegiando entre estas as de permanência estudantil.
Acabou o espaço e resta avaliar o curioso fenômeno da alastrada insurgência estudantil contra o apoio do governo e do establishment estadunidense ao genocídio palestino. Como nada indica o esvaziamento do movimento ou mudança significativa da política norte-americana em relação a Israel, teremos que voltar ao tema.
(*) Carlos Ferreira Martins é Professor Titular e ex-diretor do IAU USP São Carlos e fundador da ANDES.