Magro e alto, Dinanath Batra não tem problemas em explicar a ideologia em que acredita e não é tímido em frente às câmeras. Este professor aposentado de escola, de 85 anos, que pretende defender a religião dos antepassados e a história da Índia, não preocupava muito ninguém dizendo que as lésbicas são degeneradas ou que os não vegetarianos tendem a ser mentirosos. Mas a influência dele incide, hoje, sobre as políticas educativas e culturais de vários Estados e seus livros começam e ser lidos em escolas públicas.
Reprodução/YouTube/ABPNews
Batra é uma figura notável para a “Rashtriya Swayamsevak Sangh” (Organização Nacional do Voluntariado ou RSS), onde o consideram o porta-voz das questões educativas.
[Dinanath Batra em entrevista à ABP News]
Ainda que Batra negue a filiação, trabalha com e para eles. Até 2014, as atividades mais conhecidas dele tinham sido escrever histórias para crianças e trabalhar na elaboração de currículos para as escolas controladas pela RSS.
Em fevereiro, voz e rosto de Batra inundaram as televisões e os jornais. Em resposta a um processo apresentado em 2010 (por insultos à sua religião), a Penguin India retirou do mercado um livro da pesquisadora estadunidense Wendy Doniger sobre a religião hindu. O escândalo foi enorme. A Penguin não esperou a decisão de nenhum juiz antes de destruir o livro. Algumas semanas depois, outra editora fez o mesmo com outra obra de Doniger, reconhecida indóloga, diante de processo de Batra.
Editores e acadêmicos discutiram o fenômeno publicamente. Batra foi apelidado de “policial dos livros”. A escritora e editora feminista Urvashi Butalia escreveu um ensaio explicando que a autocensura poderia levar ao fim do trabalho editorial. “Se uma casa do tamanho da Penguin pode capitular, o que aconteceria com as editoras menores, independentes e com recursos escassos?”, concluiu. Butalia publica coedições com a Penguin, que é também a editora de Arundhati Roy na Índia.
Roy, ganhadora do Booker Prize pela novela “O deus das pequenas coisas”, publicou no dia 13 de fevereiro uma carta pública à Penguin. Atacando a direita religiosa, antes das eleições gerais de maio passado, Roy pedia explicações “Devem nos contar o que aconteceu. O que nos aterrorizou?”
A religião como história
De acordo com alguns ideólogos religiosos hindus, tudo o que é narrado nos livros míticos (como o “Mahabharata” e os “Vedas”) é história. Há, inclusive, cálculos para estabelecer quando aconteceram as grandes brigas e amores divinos (cerca de 5 mil anos antes de Cristo). Batra usa essas obras como base.
Em uma série de livros educativos, que vão das ciências naturais à geografia e à história, Batra afirma, por exemplo, que a televisão foi inventada por um deus quando fez um cego “ver” a batalha divina do conforto de seu palácio. Para essa “transmissão ao vivo”, narrada no “Mahabharata”, o deus usou somente seus poderes, claro. Ou, pode-se ler como o Rig Veda (o mais antigo dos Vedas) descreve a criação divina do automóvel (“um carro que anda sem cavalos”). Acontece o mesmo com a investigação com células-tronco ou para entender que a infertilidade é curada com jejum e muita fé. Como conclusão, explica no texto o professor às crianças, “o melhor é morrer por sua religião. Uma outra religião só causa sofrimento”.
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Os historiadores encarregados de escrever os livros oficiais da educação pública disseram que eram fantasias. Batra respondeu que não, que estava apoiando os professores para que as crianças assimilassem melhor o conhecimento. “Apresentei pequenas histórias que dizem aos estudantes que nós hindus não somos inferiores a ninguém”, afirmou em vários meios de comunicação.
O estado de Gujarat, governado durante dez anos pelo atual primeiro-ministro, Narendra Modi, comprou a edição de nove livros de Dinanath Batra para ser usada como leitura complementar nas escolas de todo o estado. Isto é, centenas de milhares de cópias de cada livro, para serem lidas em 42 mil escolas. Essa compra foi a origem do escândalo que atingiu Modi em julho passado, mas não é tudo. Duas semanas depois, o distrito educativo do estado vizinho de Madhya Pradesh adotou quatro dos livros como parte de suas leituras.
O funcionário encarregado do conteúdo pedagógico das publicações em Guajarat, Harshad Shah, explicou ao diário Indian Express que os livros dão aos estudantes “uma percepção da nossa rica cultura, herança, espiritualidade e patriotismo”. Os livros já foram apresentados de forma oficial e têm uma mensagem introdutória de Modi na primeira página.
Arquivo Vidya Bharati
Batra (esq.), em um evento educacional da Vidya Bhararti, um órgão da RSS
A RSS fortaleceu a linha de reinvenção histórica em torno de Batra. Primeiro, formou uma comissão encabeçada por ele para revisar os livros de história oficiais. Depois, promoveu a “açafranização” da educação (açafrão é a cor dos hindus) e reuniu mil historiadores para discutir uma estratégia. Há alguns dias, os principais dirigentes do grupo publicaram um livro que explica, entre outras coisas, como a invasão muçulmana de mais de mil anos atrás inventou as castas (e os intocáveis).
Incubando o ódio
Uma pesquisa de arquivo permitiu aos repórteres do Times of India publicarem que Batra convenceu o governo de Madhya Pradesh a abandonar a educação sexual para adolescentes desde 2007. Em vez de sexo, Batra recomendou ensinar ioga. E, este mês, insistiu muito em abandonar o ensino do inglês ou de qualquer idioma estrangeiro, pedindo que seja ensinado sânscrito. Nada, no entanto, supera seus livros.
“Alunos, que tal se desenhássemos um mapa da Índia? Sabiam que países como o Paquistão, o Afeganistão, o Nepal, o Butão, o Tibete, Bangladesh, o Sri Lanka e Mianmar são parte da Índia inteira?” escreve Dinanath Batra no livro mais criticado, “Tejomay Bharat” (“Índia Resplandecente”). Mais adiante, na lição intitulada “Índia inteira”, afirma: “A Índia inteira é a verdade, a dividida é uma mentira. A divisão da Índia é antinatural e o país pode ser unido novamente.”
Os movimentos de Batra podem estar indo além. Na semana passada, ele se reuniu com a ministra de Educação, Smitri Indrani. Depois dessa reunião, Batra anunciou que a ministra estava já considerando revisar os conteúdos dos programas educativos oficiais de todo o país.
A ministra negou o fato, mas o convidou a voltar para discutir o assunto.