Festival de quadrinhos de Angoulême exclui mulheres de prêmio e autores se retiram de lista
Todos os 30 finalistas para Grand Prix dos quadrinhos em 2016, selecionados pela organização do festival, são homens; 10 quadrinistas, entre eles Milo Manara e Chris Ware, já se retiraram de votação em protesto e solidariedade às colegas
O elenco de finalistas para o Grande Prêmio do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, o mais prestigioso evento do gênero no mundo das HQs, é ansiosamente aguardado a cada ano por profissionais do meio. Este ano, no entanto, quadrinistas e amantes de HQ do mundo todo reagiram com incredulidade quando se depararam com a lista divulgada nesta terça-feira (05/01) dos 30 nomes possivelmente agraciados com o Grand Prix de 2016 do festival francês: todos os nomeados eram homens.
O Coletivo de Mulheres Quadrinistas contra o Sexismo (Collectif des créatrices de bande dessinée contre le sexisme, em francês), formado por quadrinistas francesas em setembro do ano passado para se contrapor a exclusões como a realizada pelo Festival de Angoulême, reagiu chamando um boicote ao Grand Prix deste ano. “Este prêmio não é somente honorário, mas tem um óbvio impacto econômico: a mídia cobre o vencedor do Grand Prix ostensivamente, e essa distinção tem um grande impacto nas livrarias, beneficiando livreiros, editoras... e a pessoa agraciada com o prêmio”, escreveram elas em um comunicado.
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O início da lista de 30 homens indicados para o Grand Prix do Festival de Quadrinhos de Angoulême
“Protestamos contra essa óbvia discriminação e esta total negação de nossa representação em um meio praticado por cada vez mais mulheres a cada ano. Pedimos apenas a consideração da realidade de nossa existência e de nosso valor”, finalizam as autoras. Em dezembro, o coletivo já havia lançado um comunicado denunciando a falta de mulheres no quadro de jurados do Festival de Angoulême.
A ministra da Cultura da França, Fleur Pellerin, também se pronunciou sobre a controvérsia, dizendo que achava “anormal” que o Festival de Angoulême não tenha incluído nenhuma mulher no elenco de finalistas para o Grand Prix. “Este tema me afeta como mulher e como ministra da Cultura. A cultura deve dar exemplo em termos de paridade e de respeito à diversidade. Ainda é um pouco surpreendente que as mulheres estejam sub-representadas entre os autores de quadrinhos e que não tenham encontrado, entre trinta nomes, um nome para homenagear uma mulher. Isso me perturba um pouco”, declarou a uma rádio francesa.
Também em protesto e em solidariedade às colegas, pelo menos 10 dos 30 quadrinistas nomeados já pediram a retirada de seus nomes da lista de finalistas do Grand Prix de Angoulême – entre eles, autores como o italiano Milo Manara e os norte-americanos Daniel Clowes e Chris Ware. “Em vista da importância que as mulheres sempre tiveram em minha vida artística e do fato de que eu sempre tentei respeitar o papel delas como sujeito e não como objeto em meu trabalho, eu quero retirar o meu nome da lista de candidatos ao Grand Prix de Angoulême, que esqueceu qualquer menção a minhas colegas quadrinistas neste importante reconhecimento de nossa profissão”, declarou Manara.
O Grand Prix de Angoulême não é uma premiação para o melhor do ano, mas um reconhecimento à obra do quadrinista agraciado. Seu vencedor, escolhido por votação popular no site do festival, é nomeado presidente da edição do evento naquele ano.
Desde 1973, quando foi realizada a primeira edição do festival, somente uma mulher foi agraciada com o Grand Prix de Angoulême: a quadrinista francesa Florence Lestac, vencedora em 2000. Confrontada pelo jornal francês Liberation com o questionamento sobre se há mulheres suficientes que mereçam o prêmio, a quadrinista francesa Mirion Malle citou uma série de autoras, como Alison Bechdel, Trina Robbins e Jeanne Puchol, com prestígio entre a crítica especializada e no mercado de quadrinhos, que poderiam ter sido ao menos nomeadas pela comissão organizadora do evento, responsável por escolher os finalistas.
My full #30femmes list. Just as easy to think up as 30 great male comic contributors @actudufauve #Angouleme pic.twitter.com/DFj3QVgram
— Nora Goldberg (@ExLibrisNora) 6 janeiro 2016
Franck Bondoux, diretor geral do evento, afirmou ao Liberation que “não haverá cotas” para mulheres no festival. “O Grand Prix reconhece o autor pelo conjunto de sua obra e por sua carreira, e na história dos quadrinhos até os anos 1980 a produção era essencialmente masculina”, afirmou. “O festival reflete a realidade deste universo.”
No entanto, após a enxurrada de críticas e a retirada de um terço dos autores nomeados, Bondoux afirmou nesta quarta-feira (06/01) ao site France TV Info que o festival vai divulgar um novo elenco de finalistas ao Grand Prix, dessa vez com mulheres.
NO good female comics creators? #Angouleme need to ask themselves some questions. #WomenDoBD https://t.co/0U5GYNYL0g pic.twitter.com/SWZvqlZjlJ
— Sarah McIntyre (@jabberworks) 6 janeiro 2016