Na noite de 2 de outubro de 1968, dez dias antes da abertura dos Jogos Olímpicos no México, a polícia abre fogo contra estudantes e trabalhadores que protestavam na Plaza de las Tres Culturas, região central da Cidade do México, contra a invasão das forças armadas na Universidade Nacional Autônoma. Cinquenta anos depois do que ficou conhecido como Massacre de Tlatelolco, o número de mortos ainda é incerto e nenhum responsável foi punido.
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Para Waldo Sanchez, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam) da USP, o massacre deve ser lembrado como “símbolo de resistência universal”, por ter sido impetrado contra “um movimento que lutava, acima de tudo, por democracia e justiça”. Sanchez ainda critica a postura do Estado mexicano durante todos esses anos que, segundo ele, “segue utilizando as mesmas táticas contra movimentos sociais”. “O Estado é responsável por isso. Apesar dos 50 anos passados, a demanda por democracia e justiça ainda estão pendentes”, afirma.
Já segundo Azucena Jaso, mestra pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo (USP), “o massacre não acabou com o movimento”, fato provado por outras manifestações que se seguiram após outubro e pela criação de centros sociais criados por estudantes.
“Estudantes de engenharia, arquitetura, biologia, passaram a trabalhar em acampamentos de migrantes rurais na periferia da cidade em propostas sociais de auto-gestão”, explica. Segundo a historiadora, “muitos estudantes que participaram do movimento de 1968, acabaram trabalhando no governo de Luís Echeverría [1970-1976]”, na tentativa de transformar o sistema por dentro. Echeverría era secretário de Governo de Díaz Ordaz na época do massacre.
Sobre a impunidade e a participação do Estado mexicano no massacre, Jaso afirma que tais práticas continuaram a ser utilizadas pelos governos posteriores, “principalmente contra as forças zapatistas”.
O Massacre de Tlateloco
O massacre foi precedido por meses de intensa mobilização social e estudantil que, aproveitando a atenção mundial que o México recebia devido à realização das Olímpiadas, iniciaram uma série de manifestações e atos pelo país. Categorias como a dos trabalhadores ferroviários e médicos também começaram a se mobilizar em assembleias e protestos duramente reprimidos pelas Forças Armadas, a mando do governo do então presidente Gustavo Diaz Ordaz (1964-1970).
Autoritário e centralizador, Díaz Ordaz foi responsável em seu mandato por inúmeros atos de repressão contra movimentos populares, inclusive o de Tlatelolco. Foi durante seu governo que a Universidade Nacional Autônoma do México foi invadida pelo Exército, em uma manobra que visava conter os protestos e greves estudantis.
Em resposta, cerca de 15 mil estudantes foram às ruas da Cidade do México no dia 2 de outubro empunhando cravos vermelhos em sinal de protesto contra a invasão militar na Universidade. À tarde, se concentraram na Plaza de las Tres Culturas, onde ocorreu o massacre. Tropas das forças armadas atiraram contra os manifestantes e invadiram casas e apartamentos do entorno em busca de sobreviventes que tentavam fugir.
O verdadeiro número de vítimas é desconhecido até hoje. Segundo fontes governamentais, foram 36 mortos e 40 feridos, mas outros levantamentos realizados por embaixadas falam entre 200 e 300 mortos.
Wikicommons
Para historiadora, postura do Estado mexicano é a de “esconder e acobertar” até hoje os responsáveis
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Após o massacre
O movimento estudantil ficou abalado após o ato brutal em Tlatelolco. As lideranças foram criminalizadas e muitas foram obrigadas a se exilar. Grande parte da imprensa se colocou contrária ao movimento, chamando os estudantes de “terroristas”, ou reproduziram o discurso governamental de que os manifestantes sofriam “influências estrangeiras” de países comunistas e que, na noite de 2 de outubro, civis armados abriram fogo contra as forças do Exército.
Jaso ainda cita a criação da Procuradoria Especial para Movimentos Sociais e Políticos do Passado, espécie de Comissão da Verdade mexicana, iniciado no governo do então presidente Vicente Fox, em 2002. Para ela, a iniciativa foi importante, porém a burocracia estatal e judiciaria impediram que resultados maiores fossem obtidos.
Durante os processos da Procuradoria, 532 pessoas foram indiciadas, mas apenas o ex-presidente Luís Echeverría foi considerado culpado pelo massacre de Tlateloco e teve sua ordem de prisão expedida em junho de 2006. No mês de julho do mesmo ano, foi absolvido, sob a alegação de que o delito havia prescrito em 2005.
Para Jaso, a postura do Estado é a de se “esconder e acobertar” tais fatos históricos. “Desde 1968, há uma necessidade de encobrir os responsáveis pelo massacre. A impunidade caminha sem limites, vamos ver até quando”, afirma.