Camembert, roquefort, comté. É cada dia mais difícil para as famílias comprarem queijo, ingrediente de predileção nacional na França, mas também outros produtos ricos em proteínas, como carne e peixe. Com o aumento anual do preço na cesta básica (15,8%), roubar alimentos para comer tornou-se um fenômeno comum no país.
Até então, produtos de beleza e álcool lideravam a lista de furtos em supermercados. Agora, os novos alvos escancaram a realidade: parte da classe média francesa enfrenta problemas para se alimentar de maneira equilibrada. O peso da inflação no país europeu contribuiu para aumentar o número de pessoas dependentes de bancos de alimentos – atualmente são 2,4 milhões, três vezes mais que o registrado antes da covid-19.
“Aqui não se rouba só queijo, é todo tipo de comida. Óleo de fritura, ovo, tudo. As pessoas que furtam são de todo tipo: jovens, velhos, mães de família”, afirmou a Opera Mundi um segurança do Carrefour que não quis se identificar.
Opera Mundi entrevistou funcionários de outras duas grandes cadeias de supermercado e obteve respostas parecidas. A lei francesa estabelece uma multa de 45 mil euros e até três anos de prisão para esse tipo de crime, mas são poucos os gerentes de loja que decidem acionar a polícia.
A inflação (perto de 6%) e a crise energética, dois fenômenos relacionados com a guerra na Ucrânia, mas também aos efeitos da mudança climática, agravaram a alta de preços. Em uma recente entrevista, o próprio presidente francês, Emmanuel Macron, foi pessimista a respeito da segunda maior economia europeia: “até o verão será difícil, a solução é que os empregos sejam melhor pagos”.
Com isso, a insegurança alimentar na França se espelha em outro dado inquietante. Segundo o estudo divulgado em fevereiro pela rede Banques Alimentaires, que agrega associações caritativas de combate à fome, já não são apenas desempregados ou imigrantes que recorrem à distribuição gratuita de comida. Segundo a instituição, cerca 17% dos beneficiários são aposentados e 17% assalariados, sendo 60% com trabalhos a tempo parcial.
Pixabay
Cada dia mais difícil para as famílias comprarem queijo, ingrediente de predileção nacional na França
No topo da lista estão as mulheres. Embora as estatísticas mostrem um cenário otimista de 7,2% de desemprego, o menor em 14 anos, baixos salários e aposentadorias ínfimas revelam problemas profundos de desigualdade social.
Enquanto isso, o governo liberal de Macron, questionado por ter aprovado uma reforma previdência impopular, tem tentado pressionar as grandes cadeias de supermercados e os principais fornecedores industriais para diminuírem o preço final ao consumidor.
O ministro da Economia, Bruno Le Maire, e a secretária de Estado do Comércio, Olivia Grégoire, pediram por carta aos industriais que revejam os preços, mas sem constrangimento legal e apenas quando a inflação começar a abrandar.
A crise em Portugal
Os efeitos do aumento do custo de vida se alastraram pela Europa, e com eles a insegurança alimentar. Portugal, por exemplo, registrouu 29% de alta no preço da cesta básica, o dobro da média europeia.
Para fazer frente ao problema, o governo português decidiu isentar 46 produtos alimentares básicos do imposto IVA (o equivalente ao ICMS). Também se estuda limitar as margens de lucro das grandes superfícies comerciais.
A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica do país lusófono sinalizou, em 2022, margens médias de lucro bruto nos supermercados de até 50% em bens alimentares essenciais. Isso já levou à instauração de mais de 50 processos-crime por especulação.
Enquanto isso, a situação de crise no continente europeu segue: na linha de frente estão os países do leste europeu, liderados pela Hungria.