O presidente do Parlamento do Canadá, Anthony Rota, anunciou nesta terça-feira (26/09) sua renúncia ao cargo após o escândalo sobre o convite e homenagem que concedeu a um ucraniano ex-soldado nazista da Segunda Guerra Mundial, durante um evento na Câmara, com a presença do premiê Justin Trudeau e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
“É com grande pesar que informo os membros [da casa legislativa] sobre a minha renúncia como presidente da Câmara dos Comuns”, disse o parlamentar.
Antes de sua renúncia, Rota chegou a emitir, no domingo (24/09), um pedido de desculpas, dizendo ser o único responsável pela homenagem e que, sob a luz das novas informações, se arrepende de suas ações.
Na última sexta-feira (22/09), Yaroslav Hunka, de 98 anos, convidado à Câmara canadense ´por Rota, recebeu aplausos pela sua atuação na Primeira Divisão Ucraniana, também conhecida como Divisão Galícia, que atuavam em conjunto com a SS, exército paramilitar do Partido Nazista de Adolf Hitler (1889–1945).
Sediada na região da Galícia, na Ucrânia, a divisão foi incorporada à 14ª Divisão de Granadeiros da SS e foi organizada exclusivamente para combater soviéticos.
Composta por voluntários, muitos eram admiradores de Stepan Bandera (1909–1959), colaboracionista nazista ucraniano durante a Segunda Guerra Mundial, ou viam os nazistas como aliados úteis para tentar conquistar autonomia ante Moscou. Essa divisão foi acusada de praticar diversos crimes de guerra.
“Russofobia desenfreada”
Maria Zakharova, representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, comentou a renúncia de Rota.
Segundo ela, o chefe do Legislativo foi “transformado em bode expiatório, deixando Trudeau e seus associados, que são descendentes de colaboradores do Exército insurgente ucraniano, a salvo das repercussões do caso”.
Zakharova também questionou a falta de pedidos de desculpa pelos slogans nazistas usados por Zelensky na ocasião.
Já em comunicado do Kremlin, a Rússia classificou a homenagem a Hunka como “a melhor maneira de caracterizar o regime do primeiro-ministro Justin Trudeau, que abraçou a russofobia desenfreada”.
“Os colaboradores ucranianos que serviram aos nazistas escaparam da responsabilização pelo genocídio nos territórios ocupados da União Soviética e da Europa para receber abrigo no Canadá após a guerra”, disse o ministério.
⚡️ Публичное восхваление в парламенте Канады 98-летнего бандеровца Я.Хунки из 14-й гренадерской дивизии СС «Галичина» как нельзя лучше характеризует правящий режим премьера Дж.Трюдо.
Совершено циничное надругательство над памятью жертв нацизма.
? https://t.co/r0z38GqmLX pic.twitter.com/nmBakUwaAL
— МИД России ?? (@MID_RF) September 26, 2023
O texto acrescenta que “não é por acaso que existem monumentos aos líderes do nacionalismo ucraniano no país” e que a esmagadora maioria dos nazistas que receberam asilo, como Yaroslav Hunka, “estão vivendo os seus dias em segurança, honrados e cuidados como combatentes do comunismo russo”.
O documento ainda lembra que o ocorrido estremeceu as relações da Ucrânia com um grande aliado, a Polônia, e que “a ideologia ultraliberal propagada no Canadá têm essencialmente as mesmas raízes do nazismo”,
“Esperamos que forças saudáveis na sociedade canadense se pronunciem contra a nazificação da história e da vida cotidiana, encorajadas pelas autoridades do país, juntamente com a russofobia desenfreada”, finaliza o comunicado.
Twitter/Speaker of the HoC
Zelensky estava presente na homenagem que Parlamento canadense prestou a ucraniano ex-soldado nazista
Pedido de extradição
O ministro da Educação polonês, Przemyslaw Czarnek, fez um apelo também nesta terça ao presidente da Polônia, Andrzej Duda, para que peça a extradição de Yaroslav Hunka.
“Apelo ao presidente para que examine imediatamente os documentos para determinar se Yaroslav Hunka é procurado por crimes contra a nação polaca e judeus polacos”, afirmou Czarnek em uma carta aberta publicada nas redes sociais.
Wobec skandalicznych wydarzeń w kanadyjskim parlamencie polegających na uhonorowaniu w obecności także prezydenta Zełenskiego członka zbrodniczej, hitlerowskiej formacji SS Galizien, podjąłem kroki w kierunku ewentualnej ekstradycji tego człowieka do Polski.… https://t.co/92qK1voktN pic.twitter.com/5J4lljH5JX
— Przemysław Czarnek (@CzarnekP) September 26, 2023
“As características de tais crimes constituem a base para solicitar a sua extradição do Canadá”, afirmou o comunicado oficial do ministro.
Repercussão após aceno a nazismo
Imprensa, ativistas e líderes mundiais solicitaram um pedido de desculpas formal do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, que estava presente na sessão e também aplaudiu o soldado nazista, ao lado do presidente ucraniano Zelensky, que estava no território canadense em busca de apoio em meio à guerra contra Rússia.
Em sua defesa, Trudeau afirmou que nem ele, nem a delegação de Zelensky tinham conhecimento prévio do convite e dos planos do Parlamento de homenagear o ex-comandante nazista.
O político, no entanto, afirmou que a decisão de homenagear Hunka foi inteiramente de Rota, e que o pedido de desculpas do legislador foi “a coisa certa a se fazer”.
J´á Pierre Poilievre, líder da oposição canadense, exigiu um pedido de desculpas pessoal de Trudeau, afirmando que o serviço de protocolo do chefe do governo foi responsável pela seleção de convidados para a reunião que ocorreu o ato.
“Trudeau deve pedir pessoalmente desculpas e não culpar os outros como ele costuma fazer”, escreveu Poilievre por meio das redes sociais.
A organização de direitos humanos canadense Friends of Simon Wiesenthal Center, dedicada a programas de educação do Holocausto e contra o antissemitismo, disse que foi “incrivelmente perturbador ver o Parlamento do Canadá se levantar e aplaudir um indivíduo que foi membro de uma unidade na Waffen SS – um ramo militar nazista responsável pelo assassinato de judeus e pessoas de outras nacionalidades e que foi declarada uma organização criminosa durante os Julgamentos de Nuremberg”.
A organização acrescentou que “não deve haver confusão” e dúvidas de que a unidade onde Hunka serviu foi responsável por matar civis “com um nível de brutalidade e rancor inimagináveis”.
O caso se tornou um escândalo mundial, de modo que a Organização das Nações Unidas (ONU) rechaçou, nesta segunda-feira (25/09) a homenagem prestada pelos parlamentares canadenses ao veterano nazista.
(*) Com Sputniknews