Apesar de ainda restar mais de um ano para as eleições presidenciais na Venezuela, os atores políticos do país perfilam desde já suas estratégias, candidatos e alianças. As urnas, que serão abertas em 2 de dezembro de 2012, não somente definirão o presidente do país, mas também a continuidade ou não da Revolução Bolivariana, processo encabeçado por Hugo Chávez.
Efe
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Mesmo alguns chavistas notórios já não descartam enfrentar dificuldades nas urnas, ainda que o atual presidente siga como favorito. Mas não é exatamente o fortalecimento da direita que assusta mais os governistas. O problema está em descontentamentos internos ao processo bolivariano. “Digamos que Chávez, por alguma razão, não chegue a 55%, mas a 45% e, a oposição, a 55%. A qualidade destes 55% não vai sustentar o governo [da oposição]. Em qualquer momento o povo vai pressionar o novo governo”, acredita Felipe Sandia, assessor editorial do Ciudad Caracas, jornal de maior circulação na capital do país. Ele acredita, porém, que um apoio menor dos eleitores pode deslegitimar o projeto do socialismo do século XXI tocado por Chávez.
O primeiro grupo abrange grande parte da população de menor renda, beneficiada com as políticas sociais do governo, e diversas vanguardas de esquerda, comprometidas com “o processo” e conscientes de que, em dezembro de 2012, “o processo” se chama Hugo Chávez. No grupo dos anti-chavistas, uma oposição de direita com interesses políticos conflitantes – mais conflitantes na disputa por cargos do que no debate ideológico propriamente dito – mas que deve unir-se em torno de um candidato único.
A união em torno da Mesa de Unidade Democrática, formada em 2009 para aglutinar o voto anti-Chávez, deu o sinal de que, de uma forma ou de outra, as divergências serão atropeladas pelo “objetivo maior” de tirar Chávez do poder. Até o momento, porém, já são sete os pré-candidatos oposicionistas: Pablo Pérez, governador do Estado de Zulia – um dos mais ricos do país –; César Pérez Vivas, governador de Táchira; Oswaldo Álvarez Paz; Antonio Ledezma, prefeito de Caracas; Henrique Capriles Radonski, governador de Miranda; Eduardo Fernández; e María Corina Machado, parlamentar mais votada para a Assembleia Nacional em 2010. As primárias serão em fevereiro.
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María Corina Machado foi a parlamentar mais votada para a Assembleia Nacional em 2010
As pautas da oposição variam, mas devem ser também unificadas quando a campanha começar efetivamente. A insegurança, a saúde e o petróleo são temas que certamente estarão no topo entre os mais abordados. A questão do petróleo, a rigor, permeia todas as outras temáticas sociais, já que a oposição critica constantemente o uso dos recursos provenientes do “ouro negro” para o apoio a outros países da região. Recentemente, em comício, um dos pré-candidatos, o prefeito de Caracas Antonio Ledezma, bradou: “Enquanto enfrentamos tantos problemas aqui na Venezuela, nosso petróleo sai do país para financiar aliados de Chávez”.
Enquanto isso, o governo tem carinho especial pela pauta das moradias. Embora a oposição reclame da grande defasagem de casas – o próprio governo admite o atraso na construção de casas para os milhares de desabrigados com as intensas chuvas de 2010 –, o programa Misión Vivienda já entregou milhares de casas financiadas, e pretende disponibilizar um total de dois milhões de moradias até 2017. Por toda Caracas são vistos prédios construídos ou encampados pela Misión Vivienda, mas o que predomina são as construções de casas pelo interior do país, já que a capital vive uma situação de estrangulamento territorial.
Água e óleo
Situação e oposição não concordam em nada. “As promessas não cumpridas de Hugo Chávez” é uma frase introdutória comum em críticas da mídia privada venezuelana ao presidente. Já Wilfredo Vásquez, um dos fundadores da Cátia TV – o principal meio alternativo da Venezuela – diz exatamente o oposto: “Chávez ganha em 2012 porque está cumprindo suas promessas. Por exemplo, com a tragédia das chuvas do ano passado, está construindo muitas casas. Há muita pobreza, mas Chávez está dando soluções habitacionais a muita gente”.
Na saúde e na segurança, as críticas são compartilhadas por oposição e por setores governistas que possuem uma visão crítica sobre o processo. O que não é compartilhada é a solução para qualquer desses problemas. Enquanto a direita defende a volta ao estado de coisas anterior a 1998, com privatização, desenvolvimento baseado no capital externo e uso intensivo de incentivos fiscais a multinacionais, os governistas críticos querem o aprofundamento do processo socialista.
Em relação à saúde, essa divergência se reflete na disputa entre o apoio a hospitais particulares e aos planos de saúde e a defesa da implantação de um sistema único de saúde pública, nos moldes do SUS brasileiro. “Chávez tem destinado muito dinheiro ao problema da saúde, mas a saúde não se resolve apenas com dinheiro. Há muita gente lutando por uma constituinte da saúde, com uma proposta de desmercantilização, e começa por ter um sistema público de saúde único. Avançamos, e valorizamos esse avanço, mas o problema da saúde ainda é grave”, diz Zuleika Matamoro, integrante da coordenação da Marea Socialista, uma corrente do PSUV, o partido de Chávez.
Efe
Heri Falcón (esq.), governador do Estado de Lara, conversa com Henrique Capriles, um dos principais nomes da oposição
A questão da segurança é uma preocupação de ambos os pólos políticos venezuelanos. A oposição, no momento, luta por uma lei de desarmamento. A situação vê o problema como herança dos tempos pré-1998. E Chávez aposta na criação de uma nova polícia, que trabalhe próxima às comunidades, com um treinamento mais humanitário e menos ostensivo. “Aqui falamos muito sobre se há segurança ou não. Nos bairros seguem matando, seguem roubando. A oposição do país tem isso como principal discurso. Há muita violência, e isso não é mentira”, afirma Wilfredo Vásquez, da Cátia TV. Nieves Valdez, coordenadora da Rádio del Sur, um dos principais veículos estatais, complementa: “Fala-se muito da insegurança, mas isso é parte do que há de injusto no sistema. Porque não somos socialistas, isso é mentira, temos que construir o socialismo todos os dias”.
Como acontece no Brasil, segurança e saúde serão temas predominantes na campanha eleitoral que já começa a botar a cabeça para fora na Venezuela. Porém, as questões econômicas e sociais são e serão trabalhadas de forma subordinada à questão política, essa sim o grande tema de tudo o que acontece no país. O processo eleitoral não é mais, na Venezuela, o único momento de participação e debate político. Todos os dias se discute política nas ruas, nas praças e nas organizações. Se discute o processo revolucionário, seus avanços e suas dificuldades. E se discute, nos meios de comunicação privados, formas de conter esse processo.
Desdém
A direita venezuelana é vista com desdém por entusiastas bolivarianismo. As dificuldades e os retrocessos do governo são vistos como mais danosos do que as ações oposicionistas. Zuleika, da Marea Socialista, enumera fatores que, segundo ela, levarão à vitória chavista: “primeiro porque o processo ainda está vivo, ferido, mas vivo; segundo porque as pessoas foram beneficiadas, porque foram disponibilizados recursos para os mais necessitados; e por último porque aqui a direita não tem qualidade, ainda que no último processo eleitoral tenha crescido, e isso é produto do desencanto que há com o governo”, acredita. Felipe Sandia, do jornal Ciudad Caracas, concorda: “Não sou adivinho, mas minha percepção é de que Chávez vai ganhar. A oposição tem suas pessoas, mas é importante a diferença de qualidade das pessoas que a apoiam. A qualidade dessa gente é sem organização, é reativa, não têm um projeto”.
A doença de Chávez será outro ponto nevrálgico do processo eleitoral. As informações são desencontradas de lado a lado. Hora a oposição diz que a doença é inventada, hora diz que o presidente está à beira da morte. Chávez, por sua vez, negou que estava doente quando já sabia do problema. Sobre esse assunto, não há informação confiável. O que fica claro nas ruas de Caracas é que o povo se solidarizou com seu líder, e está vivendo o câncer junto com Chávez, acompanhando atentamente cada movimento do presidente.
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O empoderamento popular, a tomada de fábricas pelos trabalhadores, o fortalecimento das mídias estatal e comunitária, a expansão da educação pública e do acesso à leitura, o estímulo ao debate político. Esses são os temas mais sensíveis ao povo venezuelano, que viu nos últimos dez anos sua participação nos temas políticos ser estimulada e reconhecida. Um livreiro da região central de Caracas resume a identificação do presidente com essa mudança e os reflexos na eleição que se aproxima: “Chávez ganha porque fala a linguagem do povo. Quando tu falas comigo e começas a falar o mesmo idioma, o mesmo pensamento, como disse Paulo Freire em sua Pedagogia do Oprimido, nos identificamos. O povo se identifica com Chávez por isso, porque Chávez é povo, nada mais do que povo”.
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