Eles falam de “justiça social”, “distribuição de renda”, “democracia participativa”, cantam hinos de Ali Primeira, símbolo da esquerda venezuelana dos anos setenta… Mas são anti-chavistas. Dois meses depois de ter ganhado cinco estados importantes e a prefeitura de Caracas nas eleições regionais, a oposição aposta numa possibilidade de vencer Hugo Chávez nas urnas neste domingo.
Dezessete milhões de eleitores venezuelanos são convocados para se pronunciar sobre a proposta de emenda constitucional que prevê o fim do limite à reeleição. Caso a emenda seja aprovada, o presidente, governadores, prefeitos e deputados poderão tentar se reeleger quantas vezes quiserem. Caso contrário, Hugo Chávez não poderá ser candidato no final de 2012, quando acabar seu segundo mandato.
A estratégia da oposição é convencer os “ni-nis” (que não se alinham nem com Chávez nem contra) e também seduzir uma parte do eleitorado tradicional chavista com um discurso similar. Como sempre nas eleições, o presidente montou uma campanha com estrutura militar, que depende do “Comando Simon Bolívar” e dos batalhões eleitorais “Francisco de Miranda”, dois heróis da independência venezuelana.
A oposição criou, em resposta, o “Comando Angostura”, em referência a uma batalha do herói nacional Simon Bolívar, ídolo de Hugo Chávez. O slogan da campanha, inclusive, é um trecho de um discurso do “Libertador”: “Nada é mais perigoso que deixar permanecer longo tempo um mesmo cidadão no poder. O povo acostuma-se a obedecer, e ele a mandar; é uma fonte de usurpação e tirania”.
Para o opositor Humberto Calderon Berti, a estratégia é justificada: “Chávez apropriou-se de Simon Bolívar, que é um símbolo de toda a pátria. Procuramos mostrar com este slogan que Bolívar seria a favor do 'não' no referendo. A emenda constitucional não é bolivariana”, conclui. O mimetismo não para aí. A oposição distribuiu camisetas estampadas com um NÃO idêntico àquele usado pelos chavistas em agosto 2004. Naquela época, a oposição conseguiu submeter o mandato presidencial a referendo revogatório, para encurtar o período de Hugo Chávez no poder.
Os anti-chavistas pararam de criticar os programas sociais do governo (as “missões”, que cuidam da saúde, da educação e da comida dos mais pobres), que gozam de uma grande popularidade. Também a maioria dos opositores desistiu de denunciar as tendências “ditatoriais” dos conselhos comunais. Surgidos em 2006, estes reagrupamentos de famílias nasceram para resolver os problemas práticos das comunidades e dar vida à idéia de “democracia participativa”.
A oposição os considerou uma réplica dos Comitês de Defesa da Revolução (CDR) instituídos por Fidel Castro em Cuba, que acabaram se tornando um instrumento de controle político capilar da população. Uma pesquisa recente do instituto Datanalisis mostra que os conselhos comunais são aprovados por 63% da população. Daí a mudança de tom dos anti-chavistas, que começaram a criar conselhos comunais nos bairros da classe média.
O historiador venezuelano Miguel Tincker Salas, da Universidade de Pomona, na Califórnia (EUA), considera que “diante das transformações da sociedade venezuelana, a oposição viu-se obrigada a copiar, ou cooptar, não só algumas posições políticas, mas também a forma de fazer política”. “É muito interessante ver como hoje a oposição defende com a capa e a espada a Constituição de 1999, que é um projeto chavista”, diz.
O historiador sublinha que o panorama político da Venezuela pendeu muito mais para a esquerda e aponta a dificuldade para a oposição ter uma agenda clara, sem entender que a política neoliberal adotada nas décadas anteriores é vista como um projeto derrotado. “Para a oposição, é mais fácil estar contra algo que propõe Chavez do que desenvolver um projeto próprio de ruptura com o que fez Chávez nos últimos dez anos, sem voltar ao passado”, conclui Salas.
Berti sabe disso. “Dessa vez, entendemos a lição. Se ganharmos domingo, vamos nos concentrar na elaboração de um projeto político alternativo”, assegura. Qualquer que seja o resultado do referendo, os dois campos poderão medir forças já em 2010, com as eleições legislativas.
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