O presidente venezuelano Hugo Chávez obteve uma grande vitória domingo (15), com a aprovação popular da emenda constitucional que permite que presidentes, governadores, prefeitos e deputados tentem a reeleição quantas vezes quiserem. Mas até onde vai o apoio da população aos projetos de Chávez? Para Alex Sánchez, especialista em Venezuela no instituto Conselho para Assuntos do Hemisfério (COHA, na sigla em inglês), de Washington, são muitos os fatores que influem no futuro político do presidente e de seu país.
Como pode ser interpretada a vitória do presidente Hugo Chávez no referendo de domingo sobre o fim do limite à reeleição para cargos públicos eletivos?
Acho que fica bem claro que Hugo Chávez ainda é muito popular entre as massas. Em compensação, a oposição não conseguiu aproveitar a dinâmica adquirida através das eleições regionais de novembro passado. As próximas eleições legislativas, em 2010, serão o próximo teste para ver se a oposição é capaz de fazer surgir um candidato que possa rivalizar com Chávez em 2012. Obviamente, a questão agora é saber se Chávez vai mudar sua política econômica e doméstica. Apesar da vitória, a queda do preço do petróleo continua a ser um problema que o governo terá de enfrentar.
O senhor estudou bastante as Forças Armadas venezuelanas. Acha que são um elemento de equilíbrio ou desequilíbrio do governo?
Em geral, as Forças Armadas venezuelanas têm tentado se manter imparciais em anos recentes, mesmo que não tenham agido dessa forma durante o golpe de abril de 2002. Na época, vários militares decidiram apoiar o governo golpista de Pedro Carmona. Ao mesmo tempo, a lealdade de outros oficiais foi crucial para que a volta de Hugo Chávez ao poder fosse exigida. As Forças Armadas são como uma família. Gostam quando um deles está mandando no governo. Enquanto Chávez faz os militares felizes, acho que não farão nada contra ele. Ao mesmo tempo, eles sabem que Chávez nunca os colocará contra manifestantes civis.
Depois de dez anos de poder, o senhor diria que Chávez segue controlando suas bases?
Chávez é popular entre as massas, com o povo e com as pessoas procedentes das classes sociais mais baixas. No entanto, ele tem mais dificuldade para formar um controle baseado sobre um projeto político. O PSUV (Partido Socialista Unido Venezuelano) é uma coligação de várias facções, muitas delas bem mais radicais que o próprio presidente. Não é um partido com uma ideologia e um programa claro. O apoio dos eleitos (legisladores, governadores e prefeitos) tem também uma dimensão oportunista. Nesta batalha do referendo, por exemplo, muitos fizeram campanha pelo “sim” mais para conquistar o direito de se reeleger, do que para apoiar um projeto político. Basta ver também a composição da oposição hoje para entender que Chávez não consegue seduzir sempre seus apoiadores. Além dos que são profundamente anti-chavistas, tem muitos dissidentes do chavismo que se juntaram a oposição.
O presidente venezuelano criou há alguns anos um quarto corpo nas Forças Armadas, uma reserva, com a idéia de um “povo com armas” pronto para uma guerra assimétrica.
A guerra entre o Exército soviético e os mujahedin no Afeganistão é um exemplo clássico de guerra assimétrica. Também é o caso da guerra da Indochina/Vietnã. Hoje, Israel, por exemplo, tem esta idéia de um “povo com armas”, com uma força de reserva. Suponho que é o que Chávez imagina com a fábrica de kalashnikovs (fuzis de alto calibre) que ele mandou construir. O problema que reside no fundo é saber se as massas venezuelanas estão prontas para lutar “até o último homem” para proteger Chávez. Além disso, pelo jeito como a Venezuela está dividida agora, com as diferentes classes sociais apoiando campos distintos, uma guerra assimétrica contra uma potência estrangeira (que seria, no cenário imaginado, os Estados Unidos), resultaria em uma guerra civil.
Washington e a grande mídia criticam Hugo Chávez pelas compras de armas excessivas. É um mito ou uma realidade?
Desde que Chávez foi eleito presidente, as relações entre os Estados Unidos e a Venezuela, que antes eram muito estreitas, se deterioraram. Antes, sendo um aliado histórico de Washington, a maioria do arsenal militar de Caracas era de origem estadunidense. Com a chegada de Chávez ao poder, os Estados Unidos pararam de vender peças soltas para manter as armas adquiridas no passado. A partir desse ponto de vista, as compras venezuelanas são uma renovação necessária, pela razão simples que a Venezuela precisa modernizar seu equipamento e diversificar as fontes. Dito isto, é verdade que alguns projetos chavistas são realmente excessivos e nada têm a ver com a segurança nacional. Portanto, são um perigo para a região. Refiro-me à fábrica de kalashnikovs que a Rússia esta construindo em território venezuelano. Chávez pretende equipar o país para uma “guerra do povo”, como queria Mao na China, mas o perigo é que essas armas acabem nas mãos das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e ELN (Exército de Libertação Nacional) na Colômbia, Sendero Luminoso, no Peru, cartéis narcotráfico do México, gangues Maras de América Central, ou simplesmente criminosos comuns. A lista é longa de criminosos que se beneficiariam de uma fábrica de armamentos “perto de casa”.
Qual é sua visão da aliança militar com a Rússia?
A relação com a Rússia é importante, já que Moscou da a Chávez o que ele quer, ou seja, o apoio político, por exemplo, com as visitas diplomáticas de Medvedev e o apoio militar, com as vendas de armas, os exercícios militares comuns etc. Mas vamos ser claros, a Rússia não vai entrar em guerra em nome de Caracas. A Venezuela é um cliente importante da Rússia, já que é um país pronto para pagar um monte de dinheiro. Todavia, a Rússia pode encontrar outros clientes, como o Brasil. Moscou está interessada no poder e no dinheiro, não nas batalhas ideológicas da Guerra Fria. Diria que a Rússia sempre estará lá para apoiar a Venezuela, desde que o país tenha dinheiro para comprar equipamento russo. Talvez não seja uma aliança de “sangue” como a que existe entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, por razões históricas. Mas por enquanto ela serve a ambos os governos.
A eleição de Barack Obama vai mudar as relações com a Venezuela e aliviar a tensão entre os dois países?
Chávez já começou a criticar Obama, fazendo paralelos entre ele e George W. Bush. Mas acho que ninguém sabe ainda como classificar Obama. O responsável pela política latino-americana, Thomas Shannon, permanecerá no cargo até a Cúpula das Américas, em abril. E, só depois da escolha do próximo responsável pelo Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, que será possível ver qual será a política de Washington em relação à América Latina. Eu diria que há esperança de uma mudança de política, mas também existe muito “desconfiança” por parte dos presidentes esquerdistas latino-americanos. De qualquer forma, Chávez não pode esperar. Com a queda do preço do petróleo e apesar da vitória de domingo, ele vai ter de reorganizar as suas prioridades. Com o contexto da crise financeira e a perspectiva de eleições legislativas em 2010, Chávez vai ter de priorizar a sua política interna, projetos sociais e de desenvolvimento. O povo não está muito interessado no tamanho de um tanque ou submarino – tem que comer. Apesar de tudo o que ganha com o petróleo, a Venezuela ainda é um país subdesenvolvido, não é primeiro mundo.
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