Por meio da prestação de assistência médica gratuita a pessoas afetadas por conflitos armados, epidemias, desastres naturais e exclusão de acesso a saúde em mais de 60 países, as equipes de MSF veem em primeira mão as barreiras que algumas das comunidades mais pobres e mais discriminadas enfrentam para obter tratamento médico.
Nesta semana, estamos trazendo nossa experiência ao Fórum 2017 sobre Cobertura Universal de Saúde, realizado de 12 a 15 de dezembro em Tóquio e organizado pelo governo do Japão, a Organização Mundial da Saúde e o Banco Mundial, entre outros. O Fórum discute como atingir a cobertura universal em 2030, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável aprovados por todos os países em 2015.
Como médicos e profissionais de saúde, queremos lembrar aos formuladores de políticas públicas que todas as discussões sobre a universalização devem partir em primeiro lugar das necessidades das pessoas. Assegurar o acesso a cuidados de saúde básicos deve vir antes de qualquer consideração sobre retorno de investimentos, segurança ou interesse nacional. Trata-se de salvar vidas e reduzir o impacto das doenças.
ICRC Newsroom
Cobrança por serviços médicos dificulta universalização de cuidados até 2030
NULL
NULL
Em MSF, estamos convencidos de que a cobertura universal de saúde só pode ser alcançada com a remoção de barreiras como o preço inacessível de medicamentos e a cobrança de taxas por serviços – as chamadas “taxas de utilização” – nas unidades de saúde. A cobrança ainda é adotada por muitos países, e tem sido reintroduzido em outros.
Como mostramos no informe “Taxando os doentes: como as taxas de utilização estão bloqueando a cobertura universal de saúde”, grupos vulneráveis como mulheres grávidas, pessoas forçadas a fugir de suas casas, pacientes com HIV, tuberculose, malária e doenças não transmissíveis ainda precisam pagar por cuidados médicos em lugares como República Centro-Africana, República Democrática do Congo e Guiné. O mesmo acontece com os refugiados na Jordânia.
Há evidências de que cobrar pela assistência médica impede que as pessoas a procurem. Fazer as pessoas pagarem também diminui a qualidade do tratamento – já que os pacientes o interrompem ou optam por tratamentos menos eficazes –, e atrasa a detecção de epidemias e surtos. Em vez de buscar os centros de saúde, as pessoas ficam doentes ou morrem de causas desconhecidas em suas comunidades. Documentamos histórias de pacientes que foram mantidos presos em unidades de saúde até que pudessem pagar pelos cuidados que receberam.
A tendência atual é de piora dessa situação, uma vez que políticas para melhorar o acesso à saúde estão sendo revertidas em muitos países, incluindo Afeganistão, Moçambique e Malaui. O financiamento internacional para a área está diminuindo, e existe uma crescente pressão sobre os países para que comecem a custeá-la sozinhos, muitas vezes a um ritmo irrealista, sem levar em consideração sua capacidade efetiva.
Os cortes ameaçam até mesmo o programa de cuidados gratuitos para mulheres e crianças em Serra Leoa, um país que perdeu 10% de seus profissionais de saúde para o Ebola durante a epidemia de 2014-15.
Nós de MSF sabemos que a prestação de cuidados de qualidade tem um custo. Porém, se a cobrança de taxas está tão obviamente ligada à exclusão de pacientes, é injusto e prejudicial pedir-lhes que paguem a conta. Além disso, sabemos que a receita gerada pela cobrança é marginal. O resultado final é o aumento da falta de confiança nos profissionais de saúde e um grande número de doenças e mortes que poderiam ter sido evitadas.
Para atingir a universalização, os países precisam ser capazes de construir infraestrutura médica e de fornecer salários decentes e regulares para as equipes de saúde, o que também ajudará a evitar que trabalhadores mal pagos cobrem dos pacientes por remédios e consultas. Eles precisam de recursos para que possam remover as barreiras financeiras impostas aos pacientes.
Por isso, pedimos às agências internacionais doadoras e de formulação de políticas, como o Banco Mundial, a OMS e outras, para fazer jus a seus compromissos de apoio à saúde gratuita com financiamento e assessoria técnica. Queremos que não deixem dúvidas sobre os efeitos prejudiciais de pedir aos pacientes que paguem. Esperamos que não tolerem o crescimento das “taxas de utilização”, como vemos acontecer em diversos países.
O objetivo globalmente acordado de termos uma cobertura de saúde universal em 2030 permanecerá um sonho distante se as pessoas forem privadas até dos cuidados mais básicos porque não podem pagar.
*Mercedes Tatay é secretária médica internacional da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF)