Todos os anos, os países integrantes da Assembleia das Nações Unidas se posicionam em relação ao bloqueio econômico promovido pelos EUA contra Cuba. Na última votação, 191 nações repudiaram a medida. Israel e os próprios Estados Unidos se abstiveram. A próxima reunião que põe a questão em pauta deve ocorrer nesta quarta-feira (01/10).
Rolando Gómez González, encarregado de negócios interino da Embaixada de Cuba no Brasil, concedeu uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato analisando as mudanças nas relações diplomáticas entre seu país e os Estados Unidos após a eleição de Donald Trump. Desde o golpe parlamentar contra a presidente Dilma Rousseff, Cuba não tem embaixador no país. Assim, González é o representante das relações diplomáticas entre as nações.
Para ele, a administração republicana de Trump é “um retrocesso”, ao retomar a hostilidade e o bloqueio contra Cuba, que ele chama de “genocídio”.
Confira os melhores trechos da entrevista:
Brasil de Fato: Cuba vem passando por mudanças no modelo econômico. Como a mudança no clima político latino-americano e a eleição de Trump podem afetar esse processo?
Rolando Gómez González: Na verdade, Cuba tem passado por uma avaliação e por uma consulta popular sobre o sistema, o modelo econômico e social que o povo deseja. Foi feito um projeto pelo Partido, que foi objeto de análise e discussão popular no que foi, na prática, um plebiscito. Três milhões de pessoas participaram na identificação das prioridades, das projeções, e das políticas da forma que o povo queria.
Esse exercício levou ao que foi denominado como Orientações Econômicas e Sociais da Revolução Cubana. São o guia para o desenvolvimento de um plano voltado para o futuro, a partir do presente, de construção de um socialismo próspero e sustentável em nosso país.
Esse projeto vem se implementando de maneira satisfatória. É complexo, porque implica mudanças e transformações importantes na ordem econômica e na ordem social. Obviamente, há uma questão importante relacionada à busca por um maior bem-estar social, que é o bloqueio econômico, comercial e financeiro promovido pelos Estados Unidos contra Cuba.
BF: O bloqueio é o principal entrave ao desenvolvimento cubano?
RGG: É a principal causa que afeta nosso desenvolvimento econômico e social. Ele implica um enorme sacrifício ao povo cubano, que o qualifica como genocídio de acordo com o Direito Internacional, pela sua própria intencionalidade de criar fome, escassez e dificuldades para asfixiar economicamente um povo. Sem dúvida, causou prejuízos, segundo os cálculos, maiores do que US$ 8 bilhões, tendo em conta a variação do dólar em relação ao ouro. Ou seja, são danos descomunais, terríveis, que foram provocados à nossa Revolução.
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Ministério das Relações Exteriores da Polônia
Administração de Trump é 'retrocesso', diz encarregado de negócios de Cuba no Brasil
O próprio governo norte-americano, a partir da resistência de Cuba, reconheceu publicamente que esta política era um fracasso. Os Estados Unidos ficaram isolados da América Latina. Isolados do mundo. Por 25 anos, o bloqueio vem sendo rechaçado pelas Nações Unidas. Na última votação, foram 191 votos contra o bloqueio, apenas dois países tiveram uma posição divergente: os próprios Estados Unidos e Israel. Há uma demanda universal, unânime, contra essa política. Além de ser genocida, foi um fracasso, não cumpriu seu objetivo, só causou sofrimento ao nosso povo, que resiste histórica e heroicamente por defender seu projeto independentista e de pleno exercício da autodeterminação ante a pretensões externas que pretendem dominar e controlar nosso país.
BF: E como a questão do bloqueio mudou com a eleição de Trump?
RGG: O governo Obama emitiu uma diretiva presidencial que reconheceu o fracasso dessa política e se posicionou pela normalização das relações com Cuba. É difícil e complicado, mas se posicionou em defesa dessa busca. Cuba viu com bons olhos. Obama inclusive defendeu o fim do bloqueio por parte do Congresso dos EUA. As relações diplomáticas foram restabelecidas.
Com a chegada de Trump à presidência dos EUA, isso mudou completamente. Sua filosofia é um retorno à visão das administrações anteriores a Obama, de hostilidade e de recrudescimento do bloqueio. Todos estamos convocados a lutar para que nossas ideias e princípios prevaleçam. Por um mundo melhor e mais justo, defendendo as causas justas de nosso continente, incluindo Cuba. Em primeiro de novembro, a Assembleia das Nações Unidas vai se posicionar de novo, e os EUA estarão novamente isolados frente à opinião pública internacional, que é a mesma da opinião pública norte-americana, que é contra o bloqueio e quer a normalização das relações com nosso país, seu vizinho.
BF: Até mesmo parte do empresariado dos EUA tem interesse no fim do bloqueio. Do ponto de vista cubano, o que vocês enxergam como justificativa para a manutenção dessa medida por tanto tempo?
RGG: Essa política se baseia em uma perspectiva de ingerência e de dominação. Pretensões de voltar a controlar a Ilha, uma vez que perderam o controle dela com a Revolução Cubana em 1959. O objetivo sempre foi destruir a Revolução Cubana. Isso se converteu em uma obsessão de diversos governos dos EUA: acabar com o socialismo a 150 quilômetros deles. Não abandonaram essa intenção até hoje. Essa é a motivação essencial desse bloqueio.
Os interesses econômicos dos empresários dos EUA são deixados em segundo plano. Eles teriam grandes possibilidades em um mercado tão próximo. O bloqueio impede que a população dos EUA se beneficie de avanços como vacinas contra o câncer e tratamentos especiais que só Cuba desenvolveu. Cuba é o único país do mundo que os cidadãos dos EUA estão proibidos de visitar! Violam o direito dos próprios norte-americanos por uma obsessão política e ideológica de não aceitar um governo socialista em Cuba. Preferem afetar seus empresários, seu povo, que permitir uma Cuba socialista e revolucionária.
(*) Publicado em Brasil de Fato