A Declaração de Fortaleza, como foi denominado o comunicado final dos chefes de Estado após o encerramento da 6ª Cúpula dos Brics, pode se transformar em um marco para os países do bloco. Pelo menos, é isso o que pensa Sameer Dossani, especialista em Brics da ONG internacional ActionAid, que participou do encontro paralelo à cúpula, organizado por grupos da sociedade civil.
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Segundo Dossani, que concedeu uma entrevista exclusiva para Opera Mundi, o documento aborda assuntos que não haviam sido abordados em cúpulas anteriores, como geopolítica e conflitos em diferentes países. Ainda que as menções tenham sido vagas em alguns casos, o especialista indiano vê uma mudança de postura do grupo. “Há muitas referências à segurança e à paz, a países específicos, especialmente na África. É muito mais do que antes. Eles [os Brics] estão enviando uma mensagem, talvez de que funcionem mais como um bloco”, declarou.
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Sandro Fernandes/Opera Mundi
Especialista nos países integrantes do Brics, Dossani trabalha para a ONG internacional ActionAid.
O comunicado, que sairia com 50 parágrafos, acabou tendo 72 pontos e citou textualmente Guiné-Bissau, Nigéria, Mali, Sudão do Sul, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Síria, Israel, Palestina, Irã, Afeganistão, Iraque e Ucrânia.
Dossani acredita que esta aparentemente nova agenda política do Brics aproxima o grupo ao que hoje representa o G8 no mundo. “O G8 é um grupo de países diferentes que se sentem suficientemente importantes para dizer ao resto do mundo o que eles pensam a respeito de diferentes assuntos. E agora é a vez destes cinco países. Acho que o pensamento [dos Brics] é: ‘Nós também somos importantes e queremos dizer ao mundo o que pensamos’”.
A criação do Novo Banco de Desenvolvimento é vista com ceticismo pelo especialista indiano. “A primeira coisa é entender o que significa desenvolvimento. Temos bancos de desenvolvimento, como o Banco Mundial, criado em 1944, e o exemplo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), criado em 1952 aqui no Brasil. Estes bancos existem, mas não sabemos a relação destes bancos com desenvolvimento”, explica Sameer.
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“O Banco Mundial não é um banco de desenvolvimento. É um banco de subdesenvolvimento crônico porque, junto com o FMI (Fundo Monetário Internacional), propõe e força que muitos países façam cortes orçamentários, privatizem empresas e empurram países para um modelo extrativista de desenvolvimento. E isso não é desenvolvimento. Se você está exportando cana de açúcar, urânio ou ouro, você não é um país desenvolvido. Talvez a Rússia seja uma exceção. Talvez, não”, questiona o indiano, que ainda provoca: “O Banco Mundial existe há tanto tempo e ainda não temos infraestrutura na América do Sul, por exemplo. A infraestrutura foi feita em Portugal, na Espanha, nos países europeus”.
Dossani sugere ainda que a pergunta que deve ser feita agora é se é possível ter um novo tipo de banco de desenolvimento que financie uma mudança no processo industrial. Para ele, esta mudança não está na agenda dos Brics, que financia apenas projetos de infraestrutura. “Não é ruim. Mas que tipo de projeto? Projeto para quem e para quê? Infraestrutura pode ser uma ferramenta para desenvolvimento, mas não é uma garantia”, explica.
Quando perguntado sobre a abordagem conjunta dos Brics a respeito dos direitos humanos, Dossani responde de maneira categórica, repetindo pelo menos três vezes: “Os Estados Unidos são ums dos maiores violadores de direitos humanos do planeta”. E conclui: “Não vimos o G7 falando sobre isso [violação de direitos humanos]. Os Estados Unidos enfraqueceram os mecanismos de direitos humanos. Veja o que fizeram no Iraque, na Guatemala e até mesmo no Brasil. Se falarmos de direitos humanos através dos mecanismos internacionais, temos que deixar os pontos claros primeiramente para os Estados Unidos”.
*As opiniões de Dossani são pessoais e não refletem, necessariamente, a opinião institucional da ONG ActionAid