No próximo dia 29 de maio, a África do Sul realiza as eleições mais imprevisíveis da era pós-apartheid. Todas as disputas eleitorais desde 1994 foram vencidas pelo partido Congresso Nacional Africano (CNA), que conseguiu manter a maioria do parlamento. Mas o desemprego e o aumento da pobreza, principalmente entre a juventude, fomentam a dúvida sobre a continuidade do grupo no poder.
A situação ocorre no ano em que a África do Sul completa três décadas do Dia da Liberdade: 27 de abril de 1994 foi a data das primeiras eleições democráticas no país, em que pessoas de todas as raças tiveram direito a voto. 30 anos após a emblemática eleição de Nelson Mandela, a população negra luta para preservar a memória dessa conquista e enfrentar as forças neoliberais que mantêm a estrutura social do regime de apartheid intacta e o país como campeão mundial de desigualdade.
Esse é o pano de fundo do documentário O próximo passo: 30 anos da eleição de Mandela, lançado no final de abril pelo Brasil de Fato e disponível no YouTube. Depoimentos inéditos de lideranças políticas, de movimentos populares, historiadores, artistas e ex-prisioneiros políticos mostram como foi construída a luta popular que pôs fim ao apartheid, apontando os caminhos que levaram a realização das eleições em 1994. E qual a situação atual em que o país chega às vésperas da eleição deste ano.
“A classe trabalhadora está sendo explorada, as pessoas recebem uma miséria para trabalhar longas horas, e os serviços não são prestados aos pobres e marginalizados neste país. Essa é uma situação que acontece no mundo inteiro. Estamos vendo o capitalismo chegar até nós, e se nós não enfrentarmos o capitalismo, continuaremos a ser explorados”, denuncia em seu depoimento Thapelo Mohapi, secretário-geral do maior movimento sul-africano de moradores de favelas, o Abahlali baseMjondolo.
“As realidades econômicas materiais, onde seus avós moravam, se você é uma pessoa negra e pobre, é provavelmente onde você está morando hoje. E onde seus avós moravam, como uma pessoa branca e rica, é provavelmente onde você ainda mora hoje. E isso é, de muitas maneiras, a razão pela qual há uma visão de que 1994 foi um primeiro passo, e um passo importante. Mas o segundo passo ainda precisa ser dado. 74% dos jovens estão desempregados na África do Sul. E, de novo, porque não mudamos realmente a estrutura econômica do apartheid. Isso é um fenômeno racial”, finaliza o pesquisador Jonis Ghedi Alasow.
Com direção de Iolanda Depizzol e Pedro Stropasolas, a produção do Brasil de Fato também denuncia que o Dia da Liberdade e o fim do regime de segregação racial não significaram a conquista da igualdade entre a maioria negra e a minoria branca do país. É o que coloca em seu depoimento Irvin Jim, secretário-geral do Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (Numsa).
“Aprendemos rapidamente que o que garantimos através disso era poder político, sem poder econômico. E ficou muito claro que o que tivemos foi um acordo negociado, onde basicamente a classe dominante na sociedade, que é a classe capitalista, que detém o complexo mineral, energético e financeiro, que constitui a economia da África do Sul, não estava preparada para, basicamente, retificar a propriedade de negros e africanos que são economicamente marginalizados, sem-terra e despossuídos”, pontua o líder da maior entidade de classe do país.