O crescimento da extrema direita nas intenções de voto em vários países europeus, aliado à organização sistemática de encontros de seus líderes, dá a impressão de que seus partidos formam um bloco coeso. Na verdade não é bem assim. Eles têm, é claro, bandeiras comuns, que também se manifestam com nuances e variantes em outros continentes, como no caso de Donald Trump nos Estados Unidos, Javier Milei e Jair Bolsonaro na América Latina e Benjamin Netanyahu e seu governo em Israel.
Entres essas bandeiras comuns estão: o nacionalismo xenófobo, que se volta contra imigrantes e refugiados, sobretudo os que vem de fora da Europa; a crescente islamofobia, substituindo na Europa, mas nem sempre, o antissemitismo; uma desconfiança acentuada em relação à União Europeia, pelo menos em seu estado atual; um discurso que se apoia num moralismo retrógrado e não raro em argumentos religiosos; oposição a movimentos identitários, como feminismo, valorização da diversidade cultural e outros; ações e discursos de ódio e violência contra aqueles que consideram ser seus adversários e inimigos; condenação da política e dos políticos tradicionais, sejam conservadores, liberais ou de esquerda.
Ter bandeiras comuns não significa necessariamente ter um programa comum, nem mesmo uma identidade histórica compartilhada. “A Europa para os europeus”, eis um slogan que mobiliza as extremas direitas, da Ucrânia a leste até Portugal a oeste, do Círculo Polar ao norte até o Mediterrâneo ao sul.
Mas as “Europas” do Chega português, do Vox espanhol, do Reunião Nacional (RN) francês, da Liga e do Irmãos da Itália em Milão ou Roma, do AfD (Alternativa para a Alemanha) na Alemanha, para citar alguns exemplos, não têm o mesmo significado, nem as mesmas raízes históricas
Crise do bloco de extrema direita no Parlamento Europeu
Um atestado desta diversidade, que pode ser conflituosa, está na recente crise que se abateu sobre o bloco de extrema direita no Parlamento Europeu, o “Identidade e Democracia”, às vésperas da eleição para aquela casa legislativa continental, prevista para acontecer de 06 a 09 de junho.
A crise começou com uma entrevista dada por Maximilian Krah, um dos principais deputados do AfD alemão no Parlamento Europeu e candidato à reeleição, ao jornal italiano La Repubblica. Nela o deputado declarou que um membro da antiga SS, a principal organização paramilitar nazista, “não era necessariamente um criminoso”.
A declaração caiu como uma bomba no bloco. A líder francesa Marine Le Pen, do RN, retrucou imediatamente que se recusaria, dali por diante, a trabalhar em conjunto com membros do AfD. Com apoio da Liga italiana, todos os membros do AfD terminaram sendo literalmente expulsos do bloco parlamentar. Dentro do próprio partido alemão houve um terremoto: a direção decidiu que Krah não poderia mais participar de seus comícios e da campanha para o Parlamento, embora o tenha mantido como candidato.
A crise mostra, de um lado, como a declaração do deputado alemão pode prejudicar o esforço de Le Pen para se aproximar do centro político e apagar a pecha de antissemitismo do partido fundado em 1972 por seu pai, Jean-Marie Le Pen, como Frente Nacional. Esse mesmo esforço de se aproximar do centro é compartilhado pela Liga italiana.
Também evidencia o temor do próprio AfD de cair mais nas intenções de voto, que já foram de 23% e hoje estão em torno de 15%, ainda confortáveis, mas numa queda considerável.
Pautas conservadoras
O Chega português cultiva a memória do salazarismo; o Vox espanhol, a do franquismo. Muitos partidários do Vox se vêem como herdeiros dos Cavaleiros Templários da Idade Média, acentuando um conteúdo fortemente religioso. O mesmo não se pode dizer da Liga ou do Irmãos da Itália, embora este compartilhe bandeiras com movimentos conservadores católicos, como a do antiaborto ou a do anticasamento de pessoas do mesmo sexo.
A religião em si também não faz parte do menu principal do francês RN, nem mesmo do AfD alemão. Em compensação, ela é muito mais forte na vizinha Polônia e em outros países do antigo Leste europeu. Em alguns destes países, incluindo a Ucrânia, observa-se uma maior tolerância em relação ao uso, por parte de militantes de extrema direita, de símbolos que lembram os do antigo nazismo.
Há um traço novo, entretanto, na paisagem. Ao contrário do que aconteceu nas primeiras décadas do século passado, a extrema direita não vem encontrando apoio entusiástico em meios empresariais europeus, que preferem apostar, de um modo geral, nos políticos do conservadorismo tradicional, austeros nos orçamentos sociais, às vezes liberais nos costumes e sempre neoliberais na economia.
Tais meios não veem com agrado a desconfiança da extrema direita com relação a um dos dogmas da União Europeia, cuja liberdade no que toca à circulação de capitais representa, no fim de contas, um “very good business” (um negócio muito vantajoso). Por isto, em quase todos os países a força maior dos extremistas vêm de classes médias urbanas e rurais, ou mesmo de camadas pobres que se sentem ameaçadas, buscando “inimigos” facilmente identificáveis, como estrangeiros ou culturalmente diversos.