Dois estudantes foram mortos e um ficou ferido, em incidentes separados, após a dispersão das manifestações estudantis realizadas na última quinta-feira (14/05) em diversas cidades do Chile. Por conta dos episódios de violência ocorridos após o fim do ato — que está sendo noticiado como o mais trágico desde o retorno da democracia ao país, na década de 1990 — chilenos organizaram homenagens às vítimas e já preparam novos atos já nesta sexta-feira (15/05).
Victor Farinelli/Opera Mundi
Na Praça Vitória de Valparaíso, ato homenageia jovens mortos após manifestação estudantil; no cartaz impresso, foto de Exequiel Borvarán, 18 anos
Os dois jovens falecidos em Valparaíso, ambos estudantes da Universidade Santo Tomás, eram Diego Guzmán, 25, estudante de prevenção de riscos e dirigente da Juventude Comunista em sua região, e Exequiel Borvarán, 18, estudante de psicologia que, segundo seus amigos, era simpatizante do PC.
Na capital Santiago, também durante a dispersão da manifestação, Luciano Debrott, 19, um estudante da Usach (Universidade de Santiago) — que não havia participado da marcha —, está internado em estado grave após uma bomba lançada pela polícia, que invadia a universidade, ter explodido próximo a ele.
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A Confech (Confederação dos Estudantes do Chile) repudiou tanto o assassinato dos jovens em Valparaíso quanto o incidente que colocou em risco a vida de Debrott, e anunciou uma manifestação em frente ao Palácio de La Moneda para esta sexta-feira (15/05). Segundo a porta-voz dos estudantes, Valentina Saavedra, o movimento avaliará no fim de semana se convoca uma nova marcha próxima semana.
Ainda na noite de ontem, na Praça Vitória, em Valparaíso, mais de mil pessoas acenderam velas em um ato homenageando as vítimas. Tropas do batalhão de Forças Especiais dos Carabineros (polícia militarizada chilena) cercaram a praça para forçar a dispersão dos presentes.
“Vocês têm filhos, não podem entender a dor das pessoas? Não sabem respeitar nada? Até isso vocês têm que reprimir?”, indagava a senhora Eugenia Nuñez. Contida por outros participantes, ela se tranquiliza por alguns minutos e logo se dirige à reportagem de Opera Mundi.
“Lá no Brasil, quando vocês enfrentam alguma situação trágica, fazem bonitas homenagens às vítimas. A imprensa chilena sempre mostra essas coisas quando acontecem no Brasil, Europa, Estados Unidos, tudo muito bonito e com muito respeito, mas quando quem morre é um miserável de um chileno, não podemos sequer trazer uma flor sem lidar com mais repressão, e a imprensa não mostra nada.”
Em Santiago, uma das homenagens com velas acesas em frente ao Palácio de La Moneda foi reprimida violentamente pela polícia, jogando em contradição as palavras do recém nomeado ministro do Interior, Jorge Burgos, que condenou os assassinatos e pediu ao Ministério Público a designação de um promotor especial para o caso.
Agência Efe
Ato em homenagem às vítimas é reprimido com canhões d'água pela polícia chilena em Santiago
A poucos metros dali, na Praça Itália de Santiago, o Partido Comunista fazia sua própria homenagem aos militantes que perderam a vida, com pouco mais de 5 mil presentes. As deputadas comunistas Karol Cariola e Camila Vallejo, oriundas do movimento estudantil, lideraram o ato. Camila, claramente emocionada, classificou o ocorrido de “crime de ódio”.
“Este momento é de dor, mas também de olhar para adiante e não deixar que esse tipo de agressão seja usado para criminalizar as manifestações, e nós comunistas conhecemos essa dor, convivemos com ela durante toda a ditadura e não baixamos a cabeça, e vamos enfrentar essa situação com a mesma coragem de sempre”, disse Camila Vallejo.
A tragédia de Valparaíso
A marcha já estava terminando e a maioria dos participantes começava a se dispersar. Era o fim de mais um ato estudantil , que não se diferenciava em nada de tantos outras ocorridos com frequência no país nos últimos quatro anos. Segundo a Confech, foram 150 mil pessoas em todo o país.
Um pequeno grupo que vinha do ato final, organizado em frente ao Congresso Nacional do Chile — que fica em Valparaíso — foi até a Praça Vitória. Ali, os testemunhos se cruzam. Alguns dizem que um grupo de grafiteiros queria começar a desenhar um mural dedicado à luta pela educação gratuita. Outros dizem que foram os jovens comunistas os que traziam uma faixa e queriam instalar em um edifício, para outro evento que se realizaria no final da tarde. Fato é que dois residentes do edifício que fica na esquina da praça com a Avenida Brasil reagiram violentamente contra o grupo de jovens, entre os quais estava o grafiteiro Ignacio Mardoñez: “Eram pai e filho, diziam que já estavam cansados das marchas, que os estudantes de verdade iam às aulas, não marchavam, e que o que fazíamos era vandalismo”.
Mardoñez reconhece que ele e outro colega queriam produzir um desenho no edifício da esquina, mas que não o fariam sem autorização e que inclusive pediram desculpas. “Quando começaram a nos xingar, eu já tinha pedido desculpas e o mais velho começou a nos culpar pelas pichações, e eu disse que não era pichador, era grafiteiro, e aí ele me bateu. Quando isso aconteceu o pessoal reagiu indignado e o filho respondeu dizendo que ia expulsar todo mundo ali à bala”.
Um vídeo divulgado no Youtube pelo perfil La Unión MC, difundido em quase toda a imprensa chilena, mostra parte dessa discussão. Nele, aparece um agressor mais jovem, com blusa listrada, que empurra uma pessoa de casaco vermelho e depois troca socos com outras duas, e entra no edifício quando ouve as vaias dos transeuntes. Minutos depois dessa briga, aconteceram os disparos.
Assista ao vídeo:
Rapidamente, a polícia entrou no edifício e prendeu o jovem Giuseppe Briganti, de 20 anos. O mesmo rapaz que aparece no vídeo, e que agora é o principal suspeito do crime. Em sua casa também foi encontrada uma pistola nove milímetros, que passará por estudo criminalístico para verificar se as balas coincidem com as retiradas dos corpos dos estudantes assassinados.
Confronto na Universidade de Santiago
Na capital, onde a polícia contabilizou 50 mil manifestantes, a tragédia também aconteceu durante a dispersão do ato.
Agência Efe
Por volta das 15h, um grupo do batalhão dos Carabineros invadiu o edifício da Usach, em perseguição a um grupo de estudantes que retornava da marcha, quando um policial realiza um disparo e lança uma bomba de gás em uma das cantinas da universidade, onde estavam estudantes que não haviam participado do ato — os que vinham das marchas corriam em direção às sedes dos respectivos diretórios acadêmicos, em busca de refúgio. A bomba atirada pela polícia explodiu em cima de uma mesa, e seus estilhaços atingiram o rosto do estudante de engenharia Debrott.
Segundo Marta Matamala, presidente da FeUsach (federação de estudantes da universidade), Debrott está internado em estado grave. O último boletim médico, entregue pouco antes das 0h, dizia que seu quadro evoluía e havia boas possibilidades dele sair com vida. Contudo, os médicos disseram que ainda avaliariam a possibilidade de dano neurológico e perda da visão.