O conceito de uma sociedade em harmonia, fortemente defendido pelo atual presidente da China, Hu Jintao, enfrentou mais um desafio difícil semana passada, com o maior conflito entre diferentes etnias do país nos últimos dez anos.
No domingo (5), cerca de 200 jovens muçulmanos da minoria étnica uigur saíram às ruas de Urumqi, capital da província de Xinjiang (noroeste da China), para protestar contra o assassinato de dois operários uigures no sul do país, no mês passado. A manifestação terminou em confronto, deixando 156 mortos, mais de mil feridos e milhares de presos.
O governo chinês reagiu imediatamente. Desde então, a cidade está cercada por militares e há toque de recolher. Nas ruas, locutores em carros de som pedem calma à população e dizem “Xinjiang é de todos”.
Em um sinal claro de preocupação, o presidente chinês Hu Jintao abandonou a cúpula do G8, na Itália, e voltou ao país. Hu prometeu punições severas para os responsáveis pelos distúrbios, o que inclui a pena de morte.
“As diferentes etnias são um assunto muito complexo que não pode ser resolvido em um curto período de tempo. A política étnica da China está encontrando seu caminho. Estamos perseguindo a harmonia seja como seja”, afirmou ao Opera Mundi a antropóloga, Liu Haitao, do Centro de Estudos de Religião e Sociedade Chinesa, em Pequim.
No ano passado, monges budistas da minoria étnica tibetana saíram às ruas para pedir a libertação de religiosos presos. As manifestações na província autônoma do Tibete foram fortemente reprimidas pelo governo chinês, que defende uma única China. A imprensa estrangeira e turistas foram imediatamente impedidos de visitar o local.
Quem é quem
Vivem hoje na China 56 diferentes etnias. Dos mais de um bilhão de chineses, cerca de 91% são parte da etnia han. As outras 55 chamadas minorias étnicas correspondem a 9% da população chinesa, mais de 100 milhões de habitantes.
A grande parte das minorias mora no oeste do país, que não se beneficiou das políticas de desenvolvimento econômico que tem revolucionado a China nos últimos anos. Xinjiang, assim como Tibete, é uma região muito pobre.
Assim, muitas dessas manifestações têm como objetivo pedir melhores condições, justiça ou igualdade entre etnias.
A província de Xinjiang um dia já foi quase toda muçulmana. Nas últimas duas décadas, o governo chinês conseguiu mesclar as etnias locais. Por medo do fortalecimento de movimentos separatistas e com a justificativa de levar desenvolvimento à região, o governo incentivou a ida de chineses da etnia han – majoritária no país – oferecendo benefícios políticos, econômicos e educacionais para quem decidisse migrar.
Os uigures – que se distinguem até fisicamente da etnia han – ainda são maioria (45%) na região, mas estão longe de ter a mesma expressividade de antigamente. Os han já são 41% e ocupam mais cargos políticos e de importância econômica.
A jovem de 24 anos Jin Fang, da etnina han, mora em Urumqi. Ela e a família foram para a província de Xinjiang há menos de vinte anos em um dos programas de incentivo do governo.
Logo depois do conflito, ela conversou por telefone com o Opera Mundi. “Moro em Urumqi desde que nasci e nunca tive nenhum problema com os uigures. É muito triste o que está acontecendo”, disse.
Hoje toda a internet na província está cortada, com exceção de um hotel da capital, onde estão hospedados jornalistas estrangeiros. É praticamente impossível ligar para qualquer número telefônico de Urumqi.
Outras etnias
O jovem Li, de 26 anos, nasceu em uma pequena cidade da província de Yunnan (sul do país), que é considerada uma das regiões de maior diversidade étnica da China. Nessa área montanhosa moram pelo menos 25 diferentes etnias. Quase 40% da população regional pertence a alguma minoria étnica.
“É muito raro vermos qualquer tipo de conflito por aqui. Se acontece, são focos pequenos. Quando a gente é criança sempre aprende na escola que todas as etnias são iguais. Não sei porque isso [em Xinjiang] está acontecendo”, diz Li.
Para Liu Haitao que também é editora de publicações dedicadas às minorias, os conflitos no Tibete e Xinjiang são exceções da regra geral. Para ela, a China sabe lidar bem com as diferenças étnicas.
“De uma maneira geral, convivemos todos em harmonia no país, o que na verdade não é um resultado das políticas públicas, mas da própria cultura tradicional chinesa [Confucionista]. O centro da nossa cultura é a harmonia. Todos, incluindo as minorias, cresceram cercados por essas idéias e tradições de que um deve conviver bem com o outro”, afirmou.
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