Depois de 25 anos sem mudanças em sua fórmula de disputa, o Campeonato Argentino chega em 2015 reformulado e com uma intensa disputa política travada nos bastidores. Por influência do governo, a competição terá, pela primeira vez na história, mais de 20 clubes de fora da capital Buenos Aires, oriundos de seis diferentes províncias do país.
A AFA (Associação de Futebol da Argentina) organizará um campeonato com 30 participantes, subindo dez times do último torneio da Segunda Divisão. A competição terá sua primeira rodada entre os dias 13 e 15 de fevereiro e durará o ano todo, acabando com torneios semestrais de vinte clubes, modelo que se manteve vigente entre 1991 e 2014.
O debate em torno das mudanças no regulamento está ligado à morte de Julio Grondona, que durante 35 anos dirigiu a AFA, e à tentativa da presidente Cristina Kirchner de democratizar o acesso ao principal campeonato do país.
Agência Efe
Influência de Cristina no futebol aumentou desde 2009, quando o governo comprou os direitos de transmissão do campeonato nacional
Nos últimos anos de sua gestão, Grondona foi um importante aliado do governo Kirchner, o que permitiu a criação do programa de estatização dos direitos de transmissão de jogos no Campeonato Argentino, conhecido como FPT (Futebol Para Todos). Sem seu apoio, a oposição voltou a ter poder de negociação na entidade.
Vai-e-vem na fórmula de disputa
Até o torneio do semestre passado, eram disputados os chamados “torneios curtos”, que produziam dois campeões por ano – o dos torneios Apertura e Clausura, disputados respectivamente no segundo e no primeiro semestres, mantendo a “abertura” em sintonia com a temporada europeia. O último torneio curto foi disputado entre agosto e dezembro passados e se chamou Transición 2014.
Em maio de 2014, foi anunciado um campeonato que seria disputado entre fevereiro e novembro, com a participação de 30 clubes, divididos em dois grupos. O campeão seria decidido numa final em jogo único, em campo neutro, entre os campeões de cada grupo. Também haveria uma mudança importante no sistema de rebaixamento, abolindo a fórmula que calcula a média de pontos das últimas três temporadas, para uma simples, em que os três clubes com pior pontuação cairiam para a segunda divisão.
Com a morte de Grondona, em julho passado, deixou de ser silenciosa a resistência de alguns clubes tradicionais com relação às mudanças propostas, principalmente na fórmula do rebaixamento.
No final de agosto, a AFA passou a ser administrada interinamente por Luis Segura (até as eleições, em outubro de 2015), ex-presidente do Argentinos Juniors e aliado de Daniel Angelici, presidente do Boca Juniors, clube que liderava a oposição a Grondona desde a aproximação dele com o kirchnerismo – cabe destacar que Angelici é afilhado político de Mauricio Macri, que também foi presidente do Boca Juniors, antes de se tornar o atual prefeito de Buenos Aires e um dos principais nomes da oposição na Argentina.
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Sob influência de Mauricio Macri, um dos principais opositores ao governo, Boca Juniors questiona regulamento e divisão de verbas
Com a intervenção de Segura e Angelici, a nova fórmula foi negociada entre a AFA, os clubes e o diretor do programa FPT, Pablo Paladino. A ideia de aumentar para 30 o número de participantes foi mantida, satisfazendo a vontade do governo de ter um torneio mais “federal”, com mais clubes de fora de Buenos Aires – serão 21 clubes de fora da capital participando da principal competição do país este ano, um recorde na história do futebol argentino.
Porém, o desenho com dois grupos de quinze clubes foi apagado, assim como a decisão em jogo único. Impôs-se novamente a fórmula de todos contra todos competindo em pontos corridos, com turno único. Na verdade, serão 30 rodadas, pois cada clube enfrentará uma vez os seus 29 adversários e, na única rodada de returno, terá um jogo de volta contra o seu rival clássico ou aquele designado pela AFA por critérios regionais – por exemplo, os dois maiores rivais do futebol argentino, Boca Juniors e River Plate, terão sua revanche nessa rodada, invertendo o mando do confronto anterior, e o mesmo acontecerá com Racing e Independiente (rivais históricos do bairro de Avellaneda).
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O sistema de rebaixamento a partir da média dos últimos torneios também sobreviveu, graças à pressão dos grandes clubes, e foi incrementado: antes se calculava a média das três últimas temporadas e este ano se calculará a partir das quatro últimas.
Apesar da fórmula negociada, o presidente interino da AFA, Luis Segura, diz que a permanência dela ainda não está garantida, já que boa parte dos clubes defende o enxugamento do torneio para os anos seguintes. “Esse campeonato novo deveria ter sido aprovado com maior antecipação, para que se discutisse um modelo que fosse melhor para os clubes, mas agora temos que improvisar. Este ano o que vamos fazer é um experimento, e em outubro vamos conversar sobre como aperfeiçoá-lo”.
Já Pablo Paladino, diretor do programa Futebol Para Todos, espera que as possíveis mudanças para os próximos anos não passem pela quantidade de clubes na primeira divisão. “A Argentina não é um pequeno país europeu, com dois ou três clubes por região. Precisamos de um torneio maior. Este ano teremos dois fatos inéditos: mais de vinte clubes de fora da capital e seis províncias diferentes participando do torneio. Espero que isso seja levado em conta na hora de decidir”.
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River Plate e San Lorenzo estão entre os principais favoritos ao título argentino neste ano
Sobre o torneio de 2015, também se definiu que somente o campeão terá vaga garantida na Copa Libertadores de 2016, assim como o vencedor da Copa Argentina e o melhor clube do país na Copa Sulamericana da atual temporada. As outras duas vagas serão decididas por meio de uma mini liga disputada entre oito clubes, do segundo ao nono colocados. O campeão dessa mini liga ficará com uma vaga direta para a fase de grupos, enquanto o vice terá que disputar a eliminatória prévia da Libertadores – os outros seis não ficarão de mãos vazias, pois disputarão Copa Sulamericana de 2016.
Também foi decidido que será mantida a lei que impede a presença de torcida visitante nos jogos, para combater a violência nos estádios.
Futebol Para Todos
A ideia de inchar o campeonato nasceu de um acordo entre a AFA e o governo argentino, que desde 2009 mantêm boa relação, surgida com o lançamento do programa Futebol Para Todos: no primeiro semestre daquele ano, uma crise entre os clubes e a empresa TyC Sports (pertencente ao Grupo Clarín e então dona dos direitos de transmissão dos jogos) levou Grondona a pedir ajuda do governo, que intercedeu comprando os direitos de transmissão.
Se com a TyC Sports os jogos do Campeonato Argentino eram exclusividade dos canais a cabo, com o Futebol Para Todos, todos os jogos da primeira e da segunda divisões passaram a ser transmitidos ao vivo na tevê aberta, a maioria deles pela TV Pública, e por uma rede de pequenas emissoras regionais – a estratégia do governo também foi a de impulsar a audiência da televisão estatal através dessas transmissões.
A proposta foi aceita com a quase unanimidade dos clubes, já que o governo ofereceu pagar o mesmo valor a todos os clubes por direitos de transmissão, sendo rejeitada somente pelo Boca Juniors.
Campeonato Argentino 2015
Rodada 1 (inaugural) – de 13 a 15 de fevereiro
Crucero del Norte x Tigre
Racing x Rosario Central
Boca Juniors x Olimpo
Banfield x Temperley
Argentinos Juniors x Atlético Rafaela
San Lorenzo x Colón
Gimnasia y Esgrima x Defensa y Justicia
Godoy Cruz x San Martín
Arsenal de Sarandí x Estudiantes
Unión de Santa Fe x Huracán
Belgrano x Nueva Chicago
Quilmes x Lanús
Sarmiento de Junin x River Plate
Newell´s Old Boys x Independiente
Vélez Sarsfield x Aldosivi