O
pré-candidato presidencial com mais chance na disputa interna da
coalizão governista uruguaia, José “Pepe” Mujica, pronunciou-se
a favor de maior transparência financeira no país dias antes de a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
incluir o país na lista dos que não adotaram normas de
transparência no setor. A atitude motivou uma dura troca de
acusações entre governistas e opositores e aumentou a distância
entre o presidente Tabaré Vázquez, líder da governista Frente
Ampla, e Mujica.
Quando o G20
se reuniu, na semana passada, em Londres, o discurso predominante foi
a necessidade de acabar com os paraísos fiscais. Na ocasião, a OCDE
publicou uma lista de países que não se comprometeram com a adoção
de normas de transparência e intercâmbio de informações fiscais.
O Uruguai foi incluído, ao lado de Costa Rica, Filipinas e Malásia.
Isso ocorreu
porque no Uruguai vigora o chamado “segredo bancário”, que
impede as instituições financeiras de revelar informações sobre
as contas de seus clientes, salvo com pedido expresso da Justiça
Penal.
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A inclusão
na lista “causa prejuízos ao Uruguai, pois gera um custo mais
elevado nas transações comerciais com outros países”, explicou
ao Opera Mundi Leonardo Costa, professor titular de tributação
internacional da Universidade Católica do Uruguai. “Todas as
transações com países incluídos nesta categoria são objeto de
especial escrutínio, para ver se podem prejudicar o fisco, e por
isso geram custos mais altos”.
Por isso, o
governo uruguaio realizou intensos contatos diplomáticos e, em 24
horas, conseguiu fazer com que a OCDE transferisse o país para a
categoria dos que não adotaram medidas, mas se comprometeram a
fazê-lo. Os outros três países incluídos na “lista negra”
também se comprometeram a tomar as providências adequadas e
conseguiram a mudança de categoria, como a OCDE anunciou no início
desta semana.
Mas o tema
transcendeu as discussões diplomáticas e permeou a política
interna. Mujica foi quem mais gerou polêmica. No início de março,
declarou-se partidário da suspensão do segredo bancário, para
atender a pedidos de países sul-americanos e para que estes também
fizessem concessões ao Uruguai.
“O segredo
bancário cumpriu uma etapa e está completamente fora do tom de uma
política de integração, particularmente pelo lado do Brasil. Que a
Argentina se queixe, não me surpreende, mas também há mal-estar no
Brasil”, afirmou Mujica ao semanário local Búsqueda.
Astori:
confiança comprometida
O candidato
preferido do presidente Vázquez e rival de Mujica na disputa
interna, Danilo Astori, reagiu imediatamente. “[O segredo bancário]
nos permitiu receber muito investimento estrangeiro e de nossos
compatriotas e crescer como nunca fizéramos nas últimas décadas. A
abordagem de temas sensíveis como o do segredo bancário compromete
este nível de confiança que se construiu, pois são temas muito
vinculados à solidez do sistema financeiro uruguaio, à capacidade
de receber investimentos do exterior, à capacidade de gerar
empregos”, questionou numa viagem de campanha.
O próprio
presidente Vázquez entrou na polêmica. Em Viña del Mar (Chile),
onde participou da cúpula de líderes progressistas no final de
março, advertiu que, em seu governo, “o segredo bancário não
será tocado”. E acrescentou que “é preciso ter muito cuidado
com esse tema, pois ele pode ter um impacto negativo pontual”.
A resolução
da OCDE agitou ainda mais os ânimos, pois Mujica, de certo modo,
saiu vitorioso da polêmica. Isso gerou mal-estar em Vázquez e seu
círculo, disseram ao Opera Mundi fontes da Presidência
uruguaia. Afirmou-se que Mujica agiu contra os interesses do país e
do próprio governo. O candidato se limitou a reiterar que o mundo
caminha para uma maior transparência financeira e que o Uruguai não
pode ficar alheio a este processo.
Os partidos
da oposição também criticaram o ex-guerrilheiro. Ignacio de
Posadas, ministro da Economia no governo de Luis Alberto Lacalle
(Partido Nacional), acusou Mujica de tomar uma atitude “criminosa”
e “antipatriótica”. Pedro Bordaberry, filho do ex-ditador Juan
María Bordaberry e candidato favorito do Partido Colorado, afirmou
que Mujica “está se submetendo aos Kirchner”.
Mujica, por
seu lado, descreveu De Posadas como “explorador” e “prepotente”
e o acusou de usar sua gestão no ministério para obter benefícios
econômicos pessoais. E chamou Bordaberry de “pichón de
Hereford sin guampas (sem chifres)”, em referência a uma das
raças bovinas mais comuns do Uruguai, associando o colorado à
oligarquia rural.
A oposição
decidiu responsabilizar o governo pela classificação da OCDE. Na
semana que vem, os opositores intimarão o ministro da Economia a
apresentarr explicações ao Parlamento, pois entendem que “faltou
profissionalismo” nas negociações com a organização.
Vigilância
especial
Para conseguir mudar de categoria na lista da
OCDE, o Uruguai se comprometeu a incorporar cláusulas para o
intercâmbio de informações bancárias com motivos fiscais nos
tratados de dupla tributação que assinar de agora em diante.
Atualmente, o país negocia tratados desse tipo com o Chile e a
Espanha.
Ainda assim,
os resultados da mudança de categoria não serão imediatos. “O
processo de retirada da lista demora um ou dois meses. Nos primeiros
dias depois da publicação das listas, elas já entram nos sistemas
dos bancos e as transações com o Uruguai são qualificadas como
merecedoras de especial vigilância”, explicou Leonardo Costa.
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