* Atualizada às 20h30
Confrontos, violência e feridos marcaram este 12 de julho, em Belfast, na Irlanda do Norte, dia em que, tradicionalmente, as ruas da região recebem as paradas das bandas protestantes. Ano após ano, o feriado escancara a tensão entre católicos e protestantes, fazendo com que as fragilidades do processo de paz fiquem mais à mostra.
Agência Efe
Manifestantes unionistas sobem em carros da polícia irlandesa durante paradas do 12 de julho, em Belfast
O feriado de 12 de julho é o ápice da temporada de paradas das bandas protestantes. Há cerca de 200 anos, os protestantes desfilam nesta data para celebrar a vitória do rei Guilherme de Orange sobre o católico e deposto Jaime 2° na Batalha do Boyne (1690), o que assegurou a influência protestante na Irlanda. Nesta sexta-feira, foram 550 desfiles em toda a Irlanda do Norte.
As paradas, mesmo depois do acordo de paz de 1998 e do fim de três décadas de um conflito civil que deixou 3.500 mortos, continuam a provocar desavenças e violência. Em Belfast, católicos encaram como ofensiva a passagem das bandas por suas áreas de moradia. Os protestantes defendem o direito de expressar a sua tradição na cidade.
Parlamentar ferido
Até as 23h (horário do Reino Unido), confrontos e violência por conta da realização das paradas haviam ocorrido no norte e no leste de Belfast.
No fim do dia, em Ardoyne, ponto em que o desfile local estava probido de passar, protestantes atiraram tijolos e garrafas nos policiais, que responderam com canhões d'água.
Policiais e um integrante unionista do Parlamento britânico (a favor de que a Irlanda do Norte permaneça como parte do Reino Unido) ficaram feridos no tumulto.
“A gente só quer respeito”
“A única coisa que a gente pede é para não tocar músicas sectárias quando passarem pela nossa comunidade e pela Igreja de São Patrício. A gente só quer respeito”, afirma a católica Kate Clark.
Ela mora no trecho em que começa a principal parada protestante do dia 12 em Belfast. No ano passado, uma banda tocou um tema anticatólico em frente à igreja. Resultado: protestos e conflito.
Kate Clark e mais dezenas de pessoas exibiam faixas pedindo respeito aos participantes do desfile. Nos quarteirões católicos onde se inicia a parada, o policiamento era intenso, e as cores da República da Irlanda decoravam a rua.
O esforço de Kate e dos manifestantes não deu resultado. Uma banda voltou a tocar uma música sectária em frente à Igreja de São Patrício e provocou um início de tensão.
A parada é composta por dezenas de bandas. Elas têm nomes como Shankill Road Defenders (Defensores de Shankill Road) e West Calder Protestant Boys (Garotos Protestantes de West Calder). As bandas contam em geral com apenas instrumentos de percussão e flautas. As agremiações carregam estandartes e bandeiras britânicas, vestem diferentes uniformes e desfilam num estilo militar.
A parada principal de Belfast neste 12 de julho cruzou do norte/centro para o sul da cidade, num trajeto de cerca de oito quilômetros (ida e volta). Segundo a Comissão de Paradas, o desfile contaria com dez mil participantes.
“Guerra cultural”
Apesar do incidente na Igreja de São Patrício, esse não era o ponto da cidade que mais preocupava a polícia nesta sexta-feira, e sim a região de Ardoyne, onde há comunidades das duas religiões. A passagem de uma parada local nos quarteirões católicos do lugar têm provocado violência nos últimos anos.
Por conta disso, a Comissão de Paradas, órgão independente criado para regular os desfiles, dada a sensibilidade do tema, vetou neste ano que as bandas passassem no fim do dia pela vizinhança católica de Ardoyne. Nesta sexta, centenas de policiais e também carros blindados se concentravam na região para garantir que a parada local respeitasse a restrição e para evitar tumultos.
A decisão da Comissão não motivou protestos só dos organizadores dos desfiles. O principal partido protestante reconvocou a Assembleia local, em recesso, para debater o assunto na semana que vem, e um representante do mesmo partido no Parlamento britânico, em Londres, foi expulso do plenário nesta semana por usar linguagem indevida ao cobrar uma atitude da ministra de Estado para a Irlanda do Norte.
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Em comunicado, a Orange Order (ordem protestante cujo nome faz referência a Guilherme de Orange), responsável pelos desfiles, classificou a decisão da Comissão como “absurda” e prejudicial para a relação entre católicos e protestantes.
Augusto Gazir/Opera Mundi
Faixa de católicos com os dizeres “Respeitem a nossa comunidade!”, diante do principal desfile de Belfast
Um representante da Orange Order declarou nesta sexta-feira que republicanos católicos estão numa “guerra cultural” contra símbolos britânicos. Ao desfilar por Ardoyne no início da manhã desta sexta-feira, os protestantes carregavam uma faixa que pedia o fim do ódio à cultura protestante.
“Não há ódio aqui. Essa comunidade tem sofrido com a violência no dia 12 ano após ano. Como aqui é um local de tensão, muitos jovens vêm pra cá em busca da chamada violência recreacional. A decisão da Comissão foi um respiro para nós”, disse o padre Gary Dunagan, de Ardoyne. Nesta sexta, no local, um cordão policial separava a vizinhança protestante da área católica.
“Por que (a parada) tem que passar por esse pedaço da rua, se não para mostrar que eles podem passar por aqui?”, completou o padre.
Festa popular
Se a tensão foi a marca no norte de Belfast neste dia 12, a passagem das bandas do desfile principal de Belfast por uma das principais vias em direção ao sul da cidade foi uma festa popular.
Em Lisburn Road, de maioria protestante, famílias inteiras, muitas crianças e idosos, assistiam à parada em cadeiras de armar na calçada. A presença policial era bem reduzida.
Augusto Gazir/Opera Mundi
“A gente vem pra cá pra encontrar os amigos. Eu venho todo ano pra Belfast no dia 12”, disse Ian Harvey, morador do norte da Irlanda do Norte, com um boné nas cores do Reino Unido.
A bandeira britânica estava por todos os lados em Lisburn Road, vendidas por ambulantes e em barracas pela rua, junto com CDs de gravações das bandas que desfilavam. O abre-alas da parada era uma bandeira enorme do Reino Unido.
Meses atrás, a Assembleia de Belfast decidiu não mais içar todos os dias do ano a bandeira britânica no prédio do Parlamento local, o City Hall, marco arquitetônico e histórico da cidade. A medida provocou uma onda de protestos e violência.
Perguntado sobre os conflitos e as restrições às paradas, Ian Harvey não tirou o sorriso do rosto: “Olha a festa em volta, veja se você vê sectarismo e divisões”.
A temporada de paradas na Irlanda do Norte vai até agosto.