Acuado por uma onda de protestos que já dura três meses, o governo chileno pode ser obrigado a mudar a Constituição para por um fim à mais grave crise desde a volta à democracia, há 21 anos. A medida, extrema, divide opiniões e toca num dos pontos mais sensíveis para a direita chilena – a hipótese de mudar as leis que foram criadas em 1980 e são consideradas até hoje um dos maiores legados da ditadura de Augusto Pinochet, que governou o Chile com mão de ferro de 1973 a 1990.
Sob a ameaça de uma greve geral, o presidente chileno, Sebastián Piñera, está correndo contra o tempo e tenta costurar um acordo político no Congresso que permita encerrar a onda de manifestações. Só no último fim de semana, mais de 250 mil manifestantes foram às ruas em Santiago e nas principais capitais regionais do país. Os estudantes pedem, principalmente, educação universitária pública e gratuita, além da proibição do lucro nas instituições privadas de ensino.
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A saída de meio termo para a crise poderia ser a convocação de um plebiscito. Mas caciques políticos da direita – base de apoio ao governo – já se manifestaram contrários à proposta.
Especialistas também consideram improvável esta hipótese conciliatória. “A opção do plebiscito só existe na Constituição atual em casos de conflito entre o Executivo e o Legislativo”, explicou ao Opera Mundi, Claudio Fuentes Saavedra, cientista político pela Universidade da Carolina do Norte e diretor do Instituto de Pesquisa em Ciências Sociais da Universidade Diego Portales, de Santiago do Chile.
“Depende de o Executivo convocar (um plebiscito) quando queira aprovar um projeto de reforma constitucional que o Congresso tenha rechaçado de forma unânime. Por isso, é praticamente impossível que se convoque uma plebiscito no Chile hoje”, diz a respeito do que os estudantes vinham considerando como uma porta de saída para o impasse.
Fuentes Saavedra também considera impossível que este governo convoque uma Assembleia Nacional Constituinte e diz que eventuais emendas à Constituição poderiam ser aprovadas com “quoruns qualificados de três quintos e, em alguns casos, dois terços no Congresso”. De acordo com ele, “a hipótese da Assembleia Constituinte se refere mais a uma demanda de alguns grupos, mas o conflito educacional poderia ser resolvido sem mudar a Constituição”.
“Há cada vez mais consciência na opinião pública de que é necessário promover reformas constitucionais no que diz respeito à participação popular e democracia”, diz o pesquisador. Ele acredita, entretanto, que parte da pressão existente hoje “se dissiparia na medida em que as demandas meramente educacionais fossem atendidas”.
Sem nenhuma luz no fim do túnel, as tentativas de diálogo com o Parlamento tem sido até agora infrutíferas. Os estudantes universitários esvaziaram a mesa de diálogo criada pelo governo no Congresso há uma semana e, ao mesmo tempo, intensificaram as manifestações nas ruas.
Uma das características do movimento tem sido sua desconexão com o mundo político formal. As causas defendidas pelos estudantes têm apoio de 80% da população. Ao mesmo tempo, o governo Piñera tem apenas 26% de aprovação – o menor nível de um presidente chileno desde a volta à democracia. E a oposição – da coligação de centro-esquerda Concertação – também não tem apoio da opinião pública.
“Das mais de 20 federações de estudantes universitários existentes no Chile, apenas duas são controladas por dirigentes das juventudes de partidos políticos da Concertação (Partido Democrata Cristão e Partido Socialista). O resto são independentes de esquerda ou das juventudes comunistas. Este pode ser o principal problema, esta brecha social entre uma sociedade que demanda direitos e um sistema político de partidos (de direita, centro e esquerda), muito fechado, muito oligarquizado”, concluiu Fuentes Saavedra.
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