Em meio à desconfiança do mercado sobre a crise econômica que enfrenta, o governo de Portugal entrou em colisão com a imprensa do país. A Justiça censurou previamente o jornal semanal Sol, segundo o qual o Executivo – com participação do primeiro-ministro, José Sócrates – tenta controlar os órgãos de comunicação. O governo português nega ingerência.
O controle seria feito por meio da Portugal Telecom, com a aquisição de ações de grupos de mídia, como a TVI e o Controlinvest (responsável por dois jornais impressos e uma rede de TV no país). A Portugal Telecom, de origem estatal, começou a ser privatizada na década de 1990. No Brasil, o maior negócio da empresa é a participação na operadora de celular Vivo.
No dia 5 de fevereiro, o Sol publicou reportagem sobre o suposto avanço do governo sobre a TVI – um negócio que, ao chegar a público, teria sido impedido pelo próprio Sócrates. Um grupo de blogueiros se articulou e fez um manifesto pedindo que o primeiro-ministro fosse ao parlamento dar explicações. Segundo a imprensa local, a iniciativa angariou cerca de 6 mil assinaturas.
Vítor Sorano
Banca de jornal em Lisboa com edição do Sol que traz denúncias contra o governo de José Sócrates
A publicação afirma ter tido acesso a dados do processo, que está sob segredo de justiça, no qual são investigados casos de corrupção em empresas públicas portuguesas. O esquema de controle da mídia, afirma o semanário, foi descoberto pelos investigadores por meio de grampos telefônicos, dos quais o diretor da Portugal Telecom é um dos alvos. O próprio Sócrates também teria tido conversas gravadas.
Um dos executivos da Portugal Telecom, Rui Pedro Soares, foi o autor da ação que tentou impedir a publicação de novas informações sobre o caso. A Justiça acatou o pedido, mas a direção do semanário afirmou não ter sido notificada. Por isso, na última sexta-feira, uma nova edição foi às bancas e esgotou-se logo no início da manhã. Uma tiragem extra foi distribuída no meio da tarde.
Segundo outro jornal, o Expresso, foram vendidos ao todo 260 mil exemplares. “Abri às 6h e às 8h já tinha acabado”, disse o jornaleiro Fernando Gonçalves, que tem uma banca na rua de São Nicolau, em Lisboa, onde fica a sede do Sol.
A crise levou a direita portuguesa a cogitar a substituição do primeiro-ministro. Neste sábado, a manchete do Diário de Notícias – um dos mais respeitados do país – dizia que Sócrates se nega a sair sem novas eleições. O Público afirma que o governo resiste e garante que as escutas desmentem o plano. Um sms que corre entre militantes do Partido Socialista chama para uma manifestação de apoio ao governante no dia 20.
Queda no ranking
O jornal Sol circula em Portugal, Angola e Moçambique. Segundo o último balanço da Associação Portuguesa para Controle de Tiragem e Circulação, relativo a 2008, a publicação tem uma média de 72 mil exemplares por dia, fora dos maiores semanários portugueses.
A reportagem do Opera Mundi tentou entrar em contato com o gabinete de Sócrates, mas não houve retorno. O ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, disse à imprensa que as conclusões do Sol a partir das escutas são fantasiosas e que não há plano para controle da imprensa. A Portugal Telecom também foi procurada mas não respondeu, assim como o Sol.
Recentemente, Portugal caiu no ranking de liberdade de imprensa elaborado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras. No ano passado, o país ficou em 30º lugar entre 175, 14 posições abaixo do que estava em 2008. Ainda assim, a entidade classifica a situação no país como “boa”.
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