A presidente Dilma Rousseff não terá tempo para “perder-se” pelas ruas portenhas e entrar em sebos, como tanto gosta, na sua estadia na Argentina, nesta segunda-feira (31/01). A escolha da terra de Piazzolla e do Teatro Colón, como inauguração das aparições internacionais, representa a relação especial e estratégica com o maior sócio brasileiro na América do Sul.
Dilma declarou que pretende ter um relacionamento extremamente próximo com a presidente Cristina Kirchner. Explicou o propósito, ao dizer que Brasil e Argentina são países que têm responsabilidades ante o conjunto da América Latina. “Além disso, [Cristina e eu] temos uma aproximação facilitada pelo fato de sermos mulheres que representam as duas grandes economias da região”, completou.
A proposta do governo brasileiro é ampliar a gama de temas das relações bilaterais, para incluir questões como habitação, saneamento, desenvolvimento urbano, educação, cultura e promoção da igualdade de oportunidades na América Latina.
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Energia Regional
Uma das áreas que ganhará mais destaque no encontro é o setor energético. De acordo com a presidente, será adotada uma pesada estratégia para criar uma política de provedores da área do pré-sal, reservas petrolíferas a sete mil metros de profundidade no Atlântico.
“Até agora temos uma política que chamamos de política de conteúdo nacional. Pensamos em uma política de conteúdo regional, conjunta, com a Argentina. Estamos elaborando uma agenda de acordo com a qual Argentina e Brasil, visto que são países com grandes recursos alimentícios e também energéticos, possam aumentar a agregação de valor e a geração de emprego na região”, explicou Dilma.
O incremento do setor energético também faz parte da justificativa do governo brasileiro para incentivar a entrada da Venezuela na união aduaneira regional, que só aguarda a aprovação do Congresso Nacional paraguaio. “Para o nosso bloco, é muito importante que entrem outros países, porque muda o nível do Mercosul. A Venezuela é um grande produtor de petróleo e gás. Tem muito o que ganhar entrando no Mercosul; e nós, com sua presença”, disse.
Dilma e Cristina também devem formalizar a parceria para construção de dois reatores nucleares de pesquisa. “Com a Argentina, queremos uma sociedade na área de tecnologia e inovação e uma sociedade para o uso de tecnologia nuclear com fins pacíficos”, afirmou a presidente brasileira.
A intenção é que cada país construa o próprio reator a partir de projetos comuns. As estimativas são de que o projeto do novo reator de investigação multi-propósito seja concluído no prazo de cinco anos.
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Paciência Estratégica
O último ano foi marcado por recordes históricos nas trocas comerciais entre Brasil e Argentina. O volume de comércio em 2010 somou, entre exportações e importações, cerca de 33 bilhões de dólares. O crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) dos dois Estados também foram expressivos, 9% da Argentina e 6% do Brasil. Em meio a um cenário de crise financeira internacional, os dados animam especialistas.
Para chegar a esse atual estágio, entretanto, houve boa-vontade política do Brasil, de acordo com o ex-secretário de Indústria, Comércio e Mineração da Argentina, Dande Sica. “A Argentina estava de joelhos e Lula neste momento soube interpretar as necessidades do governo e da economia argentina”, afirmou ao Opera Mundi. Segundo Sica, o Brasil “teve uma política que conteve as queixas de seus próprios empresários às custas da legitimidade do governo brasileiro, para favorecer o processo de recuperação da economia argentina”. Foi o que o especialista chamou de “paciência estratégica”.
As relações entre os dois países na última década, entretanto, não são isentas de críticas. “O governo Lula errou ao negar apoio à Argentina em seu conflito com o FMI [Fundo Monetário Internacional] e os credores internacionais. Depois, no entanto, a semelhança entre os dois governos progressistas constituiu, sem dúvida, um fator de aproximação. Como marcos nesse processo, vale à pena ressaltar a convergência entre as posições do Brasil e da Argentina em arquivar o projeto estadunidense da ALCA e, mais tarde, a solidariedade ao governo de Evo Morales diante da tentativa golpista da oligarquia boliviana”, analisou Igor Fuser, professor e jornalista doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo.
Setor de automóveis
As exportações brasileiras de automóveis, minérios de ferro e equipamentos de telefonia celular e as argentinas de automóveis, trigo e farinhas alavancaram as trocas comerciais em 2010.
“É por isso que o acordo automotivo ocupa lugar central nos negócios bilaterais, setor no qual se realiza não apenas uma divisão de tarefas como também se identifica cadeias produtivas compartilhadas”, afirmou o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Carlos Eduardo Vidigal.
Aspectos deste setor também serão debatidos nesta segunda-feira. De acordo com o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, Dilma quer impulsionar uma nova fase de integração produtiva com a Argentina, para criar entre os dois países as bases de “poderoso eixo produtivo” sul-americano.
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Déficit argentino
Apesar do aumento do comércio bilateral, empresários argentinos reclamam dos sucessivos superávits registrados pelo Brasil. Em 2010, o déficit argentino foi de 4.09 bilhões de dólares, mesmo com a valorização do real no contexto da guerra cambial internacional. Porém, como afirmou a presidente Dilma, “nos últimos tempos temos conseguido manter o dólar dentro de uma faixa de flutuação. Oscilou o tempo todo entre 1,6 e 1,7 [real por dólar]. Agora, ninguém no mundo pode dizer que garante isso [a não desvalorização]”.
Teme-se, na Argentina, que a desvalorização do real aumente ainda mais o déficit comercial do país. Como medidas para mitigar esses efeitos, Vidigal sugere que no curto prazo, ocorra o aumento das importações brasileiras de produtos argentinos, mais especificamente produtos primários e secundários de baixo valor agregado e, no longo prazo, que o Brasil apoie a recuperação da indústria argentina.
As assimetrias comerciais têm explicações mais estruturais, explica Sica. De acordo com ele, a Argentina sempre teve déficit no setor de bens industriais e superávit no setor primário, em relação ao Brasil. Porém, afirma, nos últimos dez anos, com a desvalorização da moeda argentina, as importações deixaram de ter origem em variados países do mundo, para beneficiar as compras de produtos brasileiros, que eram mais baratos e similares.
“Onde éramos deficitários, somos ainda mais, porque houve este desvio de comércio. No setor de alimentos e produtos primários, em que tínhamos superávit, o Brasil incrementou sua plataforma produtiva, e agora é um grande produtor. Por problemas internos argentinos de investimento no setor energético, somado às restrições à exportação de trigo, ficamos menos superavitários neste setor, o que não nos permite compensar o déficit que temos no setor industrial”, analisou.
Versão brasileira
Do lado brasileiro, há críticas em relação ao crescente papel dos produtos chineses na economia argentina, ocupando setores em que o Brasil era líder anteriormente. “A concorrência dos produtos chineses afeta diretamente as exportações brasileiras para a Argentina, irritando setores da indústria que utilizam o problema como pretexto para defender um relativo esvaziamento do Mercosul em favor de uma integração mais intensa do Brasil aos circuitos da economia globalizada”, disse Fuser.
No encontro, as presidentes devem propor a criação de um Foro Empresarial Brasil-Argentina. Esse seria um espaço para formular diagnósticos e propostas para fortalecer as relações econômicas e comerciais, aumentar a competitividade e ampliar iniciativas de promoção comercial dos dois países.
Agenda
Por ocasião do encontro, as presidentes assinarão diversos documentos, como o Protocolo Adicional ao Acordo para a Criação da Comissão de Desenvolvimento Fronteiriço (CODEFRO); o Acordo para a Construção de uma Ponte Internacional sobre o Rio Peperí-Gaçú; e os Memorandos de Entendimento sobre Bioenergia, Promoção Comercial Conjunta, Cooperação de Planejamento Urbano e Habitação.
Acompanham a presidente brasileira na viagem o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, o da Fazenda, Guido Mantega, a de Desenvolvimento Social, Tereza Campelo, o de Energia, Edson Lobão, o de Ciência e Tecnologia, Aloízio Mercadante, e o de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel.
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