Em meados de 2007, o empresário Francisco Correa reclamava do então senador do PP (Partido Popular) Luis Bárcenas para um dos seus homens de confiança durante uma conversa no bar do hotel Fênix, em Madri. Correa comentava sobre sua relação com o dirigente do PP ao qual dizia ter levado mais de 6 milhões de euros em encontros tanto em sua casa como na sede do partido. Entretanto, Correa não sabia que o seu interlocutor, José Luis Peñas, tinha um microfone escondido e já gravava suas conversas há algum tempo. Essas gravações foram o início do que se conhece atualmente como caso Gürtel, um esquema de corrupção que envolveu empresários espanhóis e políticos do partido governista espanhol.
Agência Efe
Com a abertura das investigações do caso, o juiz Baltasar Garzón decidiu, em 2009, ordenar a detenção de Correa, acusado de ser o cabeça do esquema. O empresário ingressou no mesmo ano na prisão de Soto del Real, na província de Madri, e Garzón começou a verificar as transações financeiras de Bárcenas. No dia 16 de janeiro de 2013, o juiz Pablo Ruz, que assumiu as investigações depois do afastamento de Garzón, declarou que o já ex-senador do PP manteve até 2009 uma conta na Suíça que teve um saldo médio de 15 milhões de euros e chegou a alcançar 22 milhões de euros em 2007.
Duas semanas depois, seguindo a série de acusações contra Bárcenas, o jornal El País publicou cópias de documentos que alegava ser uma contabilidade secreta e ilegal do PP, de suposta autoria do ex-senador. A documentação demonstrava que Álvaro Lapuerta e Bárcenas, tesoureiros do partido entre 1990 e 2009, anotaram em seus cadernos dezenas de doações de empresários espanhóis (chegavam a 7,5 milhões de euros), pagamentos periódicos a membros da alta-cúpula do PP e outros gastos da entidade.
Segundo o jornal espanhol, as doações seriam ilegais por dois motivos. Em alguns casos, superavam o limite legal estabelecido pela Lei Orgânica sobre Financiamento dos Partidos Políticos vigente entre 1987 e 2007. Segundo essa lei, os partidos não poderiam receber, direta ou indiretamente, contribuições procedentes de uma mesma pessoa física ou jurídica superiores a quantidade de 10 milhões de pesetas ao ano (equivalentes a 60 mil euros). A outra razão para a ilegalidade é a proibição, pela mesma lei, de doações procedentes de empresas que prestam serviços a alguma administração pública. Bárcenas supostamente disfarçava as doações ilegais dividindo os depósitos em quantidades menores e sob a denominação de doações anônimas. Por serem anônimas, os fiscais não podiam identificar os empresários que mantinham vínculo contratual com as administrações públicas e que faziam contribuições ao partido.
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O PP rapidamente negou a existência de um esquema de financiamento secreto e de pagamentos ilegais a dirigentes do partido. Entretanto, no dia 1º de fevereiro, alguns políticos citados nos Papéis de Bárcenas confirmaram que receberam a quantia anotada no documento. O presidente do Senado, Pio Garcia Escudero, por exemplo, admitiu que ganhou do partido o valor de 5 milhões de pesetas em 2000. A casa do político foi alvo de um atentado a bomba em agosto daquele ano e ele afirmou ter pedido um empréstimo ao PP para reconstruí-la.
No documento publicado pelo El País, figura que Garcia Escudero devolveu o dinheiro em 2001. Outra figura política que confirmou os dados que vieram a público no dia 31 de janeiro foi o ex-dirigente da UPN (União do Povo Navarro) Jaime Ignacio del Burgo, porta-voz do partido em 2001. Ele afirmou que em julho de 2001 recebeu 500 mil pesetas do PP após ter solicitado a verba para ajudar a uma integrante da UPN que também havia sofrido um atentado terrorista.
Governo sob pressão
Pressionado pela oposição e pela opinião pública, o presidente do governo, Mariano Rajoy, fez um pronunciamento no dia 2 de fevereiro. Na ocasião, Rajoy negou enfaticamente seu envolvimento. “Nunca recebi ou reparti dinheiro ilegal neste partido ou em nenhuma parte”, afirmou Rajoy na sede do PP em Madri. Ele ainda assegurou que ganhava mais em sua profissão antes de entrar para a política. “Não vim para a política para ganhar a vida. […] Estou na política porque quero mudar as coisas”, explicou. O presidente também enfatizou que não iria renunciar e que “o PP não tem nem teve contas em um país estrangeiro e nunca deu ordens de abrir conta em um país estrangeiro”, referindo-se às contas de Bárcenas na Suíça.
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Durante toda a primeira fase do escândalo de financiamento ilegal, a cúpula do partido alegou que o ex-senador já não fazia parte do PP desde 2009, quando o caso Gürtel veio a público. Entretanto, Bárcenas manteve seu escritório na sede do partido até o dia 13 de janeiro de 2013 e somente foi demitido no dia 31 do mesmo mês, data da publicação da matéria acusando o ex-tesoureiro.
Ao tentar explicar a demora na demissão do político, a secretária-geral do partido, Maria Dolores de Cospedal, acabou misturando temas e conceitos e o seu pronunciamento virou motivo de piada em jornais de oposição. Depois do ocorrido, Cospedal suspendeu as coletivas de imprensa na sede nacional do partido durante mais de um mês.
Prisão de Bárcenas
No dia 27 de junho, o juiz Ruz ordenou a prisão de Bárcenas devido ao risco de fuga e para que ele não pudesse manipular, destruir ou construir provas relevantes aos casos nos quais estava implicado. O ex-senador ingressou no mesmo dia na prisão de Soto del Real, a mesma que abrigou durante anos o empresário Francisco Correa, mandante do caso Gürtel.
Dentro do centro de detenção, Bárcenas concedeu entrevista ao editor do jornal El Mundo, na qual confirmava o esquema de financiamento ilegal e explicava o seu funcionamento. Segundo o jornal, o dinheiro era entregue em sacolas, bolsas ou malas no escritório do tesoureiro Lapuerta, na sede do PP. Bárcenas estava sempre presente por ser o gerente do partido. Os dois contavam o dinheiro e colocavam as cédulas em um cofre, sempre fazendo piadas que não confiavam um no outro, segundo relata o El Mundo. Quando o empresário responsável pela doação saía do escritório, Lapuerta escrevia em um cartão de visitas o nome do doador e a quantia entregue. Enquanto isso, Bárcenas fazia o mesmo em um caderno de anotações, que se tornaria os “Papéis de Bárcenas”.
Uma parte do dinheiro era depositada em contas bancárias do partido, outra seria utilizada para pagar ilegalmente custos de campanhas eleitorais e o restante permaneceria no cofre da sede do partido. Segundo o jornal, a finalidade principal e mais comum do dinheiro era para pagar salários não-declarados em espécie ao presidente, ao secretário-geral e aos vice-secretários do PP. Dois dias depois, no dia 7 de julho, o El Mundo publicou os “Papéis de Bárcenas” originais e, uma semana mais tarde, mensagens de texto trocadas pelo ex-senador e o presidente do governo.
Nesta segunda-feira (15/07), Bárcenas compareceu ante o juiz Ruz e confirmou a autoria dos documentos. O ex-tesoureiro do PP também afirmou que entregou a Rajoy e Cospedal cerca de 90 mil euros entre 2009 e 2010. Ainda nesta segunda, ambos os políticos negaram as acusações em coletivas de imprensa, mas, segundo os principais jornais espanhóis, Bárcenas possui diversos documentos que podem comprometer o PP e, principalmente, o presidente do governo.