Há exatos cinco anos, em 25 de janeiro de 2011, milhares de egípcias e egípcios tomavam a praça Tahrir, no coração da cidade do Cairo, para pedir o fim da ditadura de três décadas do então presidente Hosni Mubarak.
Nos dias seguintes, entre as bombas e tiros disparados pela polícia para dispersar os manifestantes, surgiu um hino: a canção “Irhal”, do músico egípcio Ramy Essam.
Sobre um palco montado na praça Tahrir, violão em punho, Essam cantou sua composição, dia após dia, para uma multidão que crescia à medida que a violência policial contra os protestos se intensificava. “Somos todos um só / Exigimos uma coisa / Vá embora / Vá embora”, clamava a canção, em uma mensagem direta a Hosni Mubarak – que renunciou no dia 11 de fevereiro.
“Irhal” ficou em terceiro lugar na lista das “100 Músicas Que Mudaram a História” montada pela revista “Time Out” de Londres.
Reprodução Facebook
O músico Ramy Essam durante protesto na Praça Tahrir, na capital egípcia
Para Essam, porém, mesmo com a vitória momentânea dos manifestantes em 11 de fevereiro, o Egito não mudou tanto assim. “Nossa vida não melhorou e, em muitos aspectos, o país está pior do que há cinco anos”, diz ele. “A liberdade de expressão está mais restrita do que na era Mubarak, temos um enorme número de prisioneiros políticos e não houve nenhuma evolução real na vida da população”.
Símbolo dos protestos, Essam foi preso e torturado pela polícia em março de 2011, quando a fúria dos manifestantes da praça Tahrir se direcionou contra a estrutura militar que, mesmo sem Mubarak, se manteve embrenhada no governo egípcio.
Ele também participou das manifestações contra Mohamed Morsi, membro da Irmandade Muçulmana eleito para a presidência do Egito em 2012, mas que caiu em desgraça ao conduzir uma política que, na visão de grande parte da população, buscava estabelecer uma ditadura islâmica no país árabe.
À época, “Irhal” (que, em árabe, quer dizer “vá embora”) novamente ecoou pela praça Tahrir.
Exílio e retorno
Quem acabou indo embora, na verdade, foi o próprio o músico. “Decidi deixar o Egito em 2014”, conta Essam, que hoje mora na Suécia. “Após os protestos de 2011, chegou a época de eu me alistar no serviço militar. Mas, após confrontar o sistema, eu estava marcado. Diversos militares me disseram: 'estamos esperando por você'. Minha vida no Exército ia ser um inferno. E muitas casas de show, com medo de se associar ao meu nome, estavam se recusando a me contratar. Por sorte, consegui uma bolsa de estudos na Suécia”.
Hoje, o músico mostra-se desanimado com a realidade de seu país. “Os protestos foram um momento especial em nossa história, mas geraram poucas lideranças políticas e poucas soluções para os problemas do Egito. É duro ver como ainda estamos longe de ter um país justo. Mesmo assim, acho que novos protestos vão surgir. Pode demorar dez anos, mas vão eles vão surgir”.
Mesmo conseguindo manter sua carreira musical na Europa, ele pretende retornar à sua terra natal. “Quero voltar ao Egito, pegar meu violão e continuar passando minha mensagem revolucionária para as pessoas. Mas sei que vai ser uma vida perigosa”, prevê.
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Pós-revolução, os problemas persistem
Revolução. É assim que muitos egípcios se referem aos protestos que levaram à queda de Hosni Mubarak.
Cinco anos depois, entretanto, problemas que levaram multidões às ruas contra o antigo presidente (como repressão policial e falta de oportunidades econômicas) continuam na ordem do dia no Egito, um país onde, segundo o Banco Mundial, um quarto da população ainda vive abaixo da linha da pobreza.
Ex-comandante das Forças Armadas, o atual presidente do país, Abdel Fattah al-Sisi, é considerado por grande parte da população um legítimo representante da estrutura militar que, há décadas, controla a nação norte-africana. Mas usa a seu favor o argumento de ter sido eleito através das urnas em 2014, em uma eleição da qual participaram 47,5% dos votantes e em que ele recebeu, segundo a contagem oficial, 96,1% dos votos.
Hoje, Sisi tenta se mostrar como um presidente que quer estabilizar e modernizar o Egito. Em 2014, ele comandou a abertura de uma segunda via do canal de Suez – que, segundo o governo, aumentará a arrecadação anual com a passagem marítima dos atuais US$ 5,3 bilhões para US$ 13,2 bilhões a partir de 2023 – e, para os próximos anos, quer erguer uma nova capital para o país, uma urbe inspirada em Dubai, maior cidade dos Emirados Árabes Unidos, já orçada em US$ 45 bilhões.
Os fantasmas das guerras civis que estão arrasando outros países árabes (e a presença de grupos filiados ao Estado Islâmico na Península do Sinai) têm sido usados por Sisi para justificar suas políticas repressivas contra opositores, muitos acusados de terrorismo e de querer desestabilizar o Egito. “Olhem os países à nossa volta e vejam a situação em que se encontram”, disse ele em um discurso no último dia 22 de dezembro, se referindo às guerras da Síria, Iêmen e Líbia. “Estados que são destruídos não voltam nunca mais”.
O Estado egípcio encarcerou, desde 2013, milhares de pessoas por motivos políticos. E neste começo de janeiro o governo prendeu ativistas que organizavam, via internet, manifestações de rua para marcar os cinco anos do levante de 25 de janeiro de 2011.
Se os cidadãos egípcios estão proibidos de se manifestar, também está a imprensa: segundo a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras, o Egito é hoje o 22º país do mundo onde os jornalistas têm menos liberdade para trabalhar e é o 2º país com mais jornalistas presos atualmente – no fim de 2015, havia 22 profissionais encarcerados no país. Segundo a ONG, os profissionais foram presos de “maneira arbitrária”, “acusados de organizar protestos ou de ter vínculos com organizações terroristas”.
Revolução na consciência
“É uma situação frustrante a que vivemos, pois, apesar da queda de Mubarak, não houve uma revolução política no Egito”, avalia Mohamed Hamdy, diretor de fotografia do documentário “The Square”, obra que retratou os protestos egípcios entre 2011 e 2013 e foi indicada ao Oscar em 2014. “Mas, por outro lado, acho que houve uma revolução no comportamento das pessoas egípcias. Hoje, temos mais ativistas, advogados de direitos humanos e cidadãos conscientes da nossa situação política do que nunca”.
Mesmo com protestos marcados para este 25 de janeiro de 2016, Hamdy não acredita que manifestações do porte das realizadas em 2011 venham a ocorrer em breve. “Apesar de haver muita gente descontente com o atual governo, há também muita gente com medo da instabilidade que novas revoltas podem gerar. O governo tem um discurso: 'nós oferecemos segurança. Sem nós, será o caos'. Muitas pessoas não estão dispostas a voltar para as ruas neste momento. Mas não podemos subestimar o que aconteceu em 2011. Foi um momento que trouxe o sabor da revolução para dentro da sociedade egípcia”.
Agência Efe / Arquivo
Comemoração na Praça Tahrir instantes após anúncio da queda de Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011