A diplomacia norte-americana reagiu com certa cautela à afirmação do presidente cubano, Raul Castro, no fim de semana passado, de que ele não contribuirá para mudar a natureza do regime da ilha, como Washington pediu recentemente.
“Não acho que este seja o momento para comentar o que Raul afirmou”, disse ao Opera Mundi uma fonte diplomática norte-americana. Mas, perante a insistência da reportagem, acrescentou: “De qualquer modo, é um pouco decepcionante”.
O comentário foi feito nesta terça-feira (4), horas depois que se soube da visita relâmpago do ex-presidente Bill Clinton à Coreia do Norte, em busca da libertação de duas jornalistas norte-americanas, presas em Pyongyang há três meses. “Tem dias em que me pergunto como é possível dialogar com Pyongyang e não com Havana? Hoje é um desses dias”, acrescentou o diplomata.
No fim de semana, a imprensa cubana divulgou alguns pormenores de encontros realizados na semana passada no conselho de ministros extraordinário, em plenária do Comitê Central do Partido Comunista e o discurso de Raul Castro na sessão do Parlamento.
Nas três ocasiões, a situação econômica do país estava em pauta. Na reunião do Parlamento, o presidente cubano falou sobre o futuro do país e respondeu diretamente à secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton. “Eu não fui eleito para restaurar o capitalismo em Cuba. Se alguém pensa assim, está condenado ao fracasso, e digo isto com todo o respeito que a senhora Clinton merece”, afirmou Raul Castro, em meio a aplausos dos deputados cubanos.
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Na opinião dele, um eventual diálogo com Washington deve partir do princípio do “respeito mútuo e entre iguais” e não há possibilidade de mudança no sistema político e social cubano. “Nós estamos prontos para conversar sobre tudo, mas [temas] de aqui, de Cuba, e de lá, os Estados Unidos. Não vamos negociar o nosso sistema político e social e [também] não pedimos aos Estados Unidos que o faça com o seu. Devemos respeitar as nossas diferenças mutuamente”, acrescentou o irmão do ex-presidente Fidel Castro.
Segundo Raul, eleito em fevereiro de 2008 pelo parlamento cubano para substituir o irmão, que se reformou depois de sofrer sérios problemas de saúde, o regime continuará o mesmo. “Eu não fui eleito para restaurar o capitalismo em Cuba, nem para entregar a revolução, eu fui eleito para defender, manter e continuar a revolução, para defender, manter e continuar a aperfeiçoar o socialismo, não para o destruir”.
Economia cubana
Nas reuniões, o presidente cubano falou sobre situação econômica do país como consequência, entre outras coisas, dos prejuízos de 10 bilhões de dólares provocados no ano passado por dois furacões e uma tempestade tropical. A cifra equivale a 10% do produto interno bruto cubano.
O fato obrigou as autoridades da ilha a rever os cálculos de crescimento econômico no ano, que inicialmente era de 6%. Em maio, porém, já tinham anunciado que o aumento não passaria de 2,5%, mas agora é mais provável que não ultrapasse 1,7%.
A maior parte dos prejuízos se deu na agricultura, obrigando o governo a disponibilizar mais dinheiro para a compra de alimentos do exterior.
No mês passado, o Banco Nacional anunciou o cancelamento das restrições impostas às empresas estrangeiras na ilha. Segundo economistas, o acesso aos fundos provocou uma injeção imediata de aproximadamente 2,3 bilhões de dólares na economia. Mas, aparentemente, o valor não foi suficiente, segundo o presidente cubano. “Nós não podemos continuar gastando mais dinheiro do que o que temos. Se durante um tempo dois e dois eram cinco aqui, agora temos de aprender que dois e dois são quatro, e não cinco”, afirmou Castro.
Turismo em baixa
Como se não bastasse as dificuldades econômicas, o turismo, que normalmente é o setor de maior crescimento na ilha, contava com um crescimento estimado na ordem de 2,5 bilhões de dólares. No entanto, segundo o ministro de Turismo, Manuel Serrano, o número sofreu uma contração de 10%.
Em abril, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou o fim das restrições econômicas impostas pelo seu antecessor, George W. Bush, aos cubano-americanos, até então autorizados a viajar à ilha a cada três anos e limitados a enviar apenas 100 dólares mensais a seus familiares diretos.
Agora, por decisão do presidente, em cumprimento a uma promessa eleitoral, os cubano-americanos podem enviar a Cuba a quantia que desejarem e viajar sempre que queiram.
Entretanto, o presidente cubano disse, no fim de semana, que o governo norte-americano ainda não emitiu a legislação necessária para legalizar a promessa eleitoral.
Fontes do setor de viagens a Cuba em Miami calcularam que o número de viajantes ao país poderia aumentar entre 50 e 60% – hoje em dia, viajam diariamente a Cuba entre 450 e 600 cubano-americanos, a partir dos aeroportos de Miami, Los Angeles e JFK, em Nova York. Já o envio de remessas poderia ultrapassar 1,5 bilhões de dólares anuais.
“Normalmente, quando um presidente anuncia uma medida como a que anunciou em abril o presidente Obama, ela vem acompanhada de um pacote legislativo que nos permite trabalhar”, explicou ao Opera Mundi, Armando Garcia, presidente de uma das principais agências de viagem à ilha.
Ele diz que, no momento, os cubanos estão viajando com uma autorização provisória, que permite uma viagem anual. No entanto, não há notícias de que as autoridades estejam perseguindo ou multando aqueles que viajam mais vezes.
“Gostaria de saber quais são as pressões ou os medos que o presidente sofre ou tem que o impedem de assinar a legislação necessária. Eu tenho todos os meus planos de viagem paralisados por causa disto, não posso nem sequer fazer projeções econômicas para o meu negócio”, disse ao Opera Mundi a empresaria Xiomara Almaguer, também especializada em viagens à Cuba.
Quando Obama anunciou o fim das restrições aos cubano-americanos, também autorizou empresas de telecomunicações a investir na ilha e na melhoria de infraestrutura, para aperfeiçoar o contato entre os dois países.
Fontes legislativas norte-americanas disseram ao Opera Mundi que o atraso na emissão da legislação necessária, do qual se queixam Raul Castro e as agências de viagens de Miami, deve-se à questão das telecomunicações, já que seria necessário conciliar a proibição de exportação de tecnologia, não permitida pelo embargo econômico à Cuba, e a promessa eleitoral de Barack Obama.
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