O partido de extrema-direita FN (Frente Nacional), que obteve sucesso histórico nas eleições regionais na última semana na França, recebeu ao menos € 11 milhões de fundos de investimento e de um banco russos, em transação intermediada por autoridades do Kremlin.
Em troca do dinheiro destinado à campanha eleitoral, segundo revelou a imprensa francesa nesta sexta-feira (03/04), a legenda apoiou publicamente a anexação russa da península da Crimeia, episódio que, em março de 2014, esteve no centro da crise ucraniana e foi muito criticado pelas potências ocidentais — incluindo o governo do presidente François Hollande.
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Segundo uma série de documentos vazados por hackers do Anonymous International e acessados pelo site Mediapart, mensagens de texto entre um funcionário do Kremlin e um ex-deputado leal ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, mostram que os dois homens discutiam o apoio político da Frente Nacional diante da investida russa na então república autônoma ucraniana.
Em 10 de março de 2014, Timur Prokopenko, responsável pelo setor de imprensa e internet do Kremlin, teria perguntado ao ex-deputado Konstantin Rykov se ele poderia trazer a presidente do FN, Marine Le Pen, à Crimeia na condição de “observadora do referendo”, que aconteceria seis dias depois.
“Nós necessitamos extremamente disso [da presença de Le Pen]. Eu disse a meu chefe que você estava em contato com ela”, escreveu Prokopenko a Rykov na ocasião. No dia seguinte, o ex-deputado respondeu que a líder francesa estava em campanha para as eleições municipais na França, mas garantiu que “a Frente Nacional tomará oficialmente posição a respeito da Crimeia”. Prokopenko manifestou contentamento com a resposta.
Pagamento
Com respaldo de 96,7% dos habitantes da península, o referendo de 16 de março que chancelou a anexação russa não teve a participação física de Le Pen, mas contou com a presença do deputado europeu Aymeric Chauprade, do FN. Posteriormente, o partido ultraconservador também expressou suporte à atitude russa na região. O governo francês não reconheceu oficialmente o resultado do referendo e condena a incorporação do território pelos russos.
EFE/ arquivo
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Ao considerar que Marine Le Pen “não traiu as expectativas”, Prokopenko e Rykov concordaram que “seria necessário agradecer os franceses, de uma forma ou de outra”.
Em 12 de abril, a líder francesa se encontrou em Moscou com Sergei Naryshkin, o presidente da Duma, o parlamento russo. Seis dias depois, a associação de financiamento Cotelec — presidida por Jean-Marie Le Pen, pai de Marine e fundador da legenda ultradireitista — recebeu um empréstimo de € 2 milhões de fundos russos. Em setembro, mais € 9 milhões foram enviados para o Frente Nacional pelo banco tcheco-russo FCRB (First Czech-Russian Bank).
Explicações
De acordo com Le Monde, Marine Le Pen justifica o recebimento desse dinheiro como parte de empréstimos; afirmando que os bancos franceses se recusaram a dar crédito a seu partido. Segundo ela, a FN precisa de pelo menos € 30 milhões para financiar campanhas como foi o pleito municipal de 2014.
Após a revelação dos documentos, o governo russo não comentou o episódio. O governo francês do socialista François Hollande também não se pronunciou sobre o caso até o momento.