Anne Louyot olha ansiosa o céu carioca. “Estamos torcendo para a chuva parar antes da noite”, explica a curadora geral do Ano da França no Brasil, que será inaugurado oficialmente hoje (21) com um show pirotécnico na Lagoa Rodrigo Freitas, realizado pelo Groupe F, responsável pelo evento da chegada do ano 2000 na Torre Eiffel, entre outros. Os organizadores esperam um milhão de pessoas para assistir a uma queima de fogos de artifício que promete durar o dobro do que ocorre no Réveillon em Copacabana.
Intitulado “O Encontro da Água e do Fogo”, o show inaugura uma programação de mais de 600 projetos em todo o Brasil, de Porto Alegre a Manaus, passando pelas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Recife, São Luís e Macapá, até o dia 15 de novembro, aniversário da proclamação da República.
A idéia nasceu em 2005, diante do sucesso inesperado do Ano do Brasil na França. Paris costuma honrar a cada ano um país – em julho, começa o Ano da Turquia na França –, mas a receptividade pelo público varia muito segundo a nação escolhida. Em 2005, todas as cidades francesas vibraram aos ritmos brasileiros, incentivando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a propor a recíproca. Para o Brasil, é uma experiência única: nunca um país foi o foco das atenções durante uma temporada.
A França quer aproveitar esta oportunidade para mudar a sua imagem desse lado do Atlântico. “Queremos acabar com os preconceitos e mostrar uma França diferente, cuja riqueza não é baseada só na história e no patrimônio”, diz Anne Louyot.
Obviamente, a programação cultural não foge totalmente da tradição. O Museu do Louvre, por exemplo, mandou para o Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro uma seleção das estátuas de Jean-Antoine Houdon (1741-1828), famoso por sua estátua em mármore de Morfeu e de figuras do Iluminismo, como Diderot, Voltaire e Rousseau. A Pinacoteca de São Paulo acolherá a partir de setembro um conjunto representativo da obra do pintor Henri Matisse. Mas a maioria dos eventos é dominada pela vontade de mostrar uma França contemporânea, marcada pela mistura étnica e pelas expressões culturais urbanas.
Basta caminhar pelo centro do Rio de Janeiro para entender esta preocupação. Nos arcos da Lapa, olhos gigantescos observam as pessoas. Foram captados pelo fotógrafo francês JR, na favela do Morro da Providência. O trabalho, que será também destaque na Casa França-Brasil no Rio, faz parte da série Women, iniciada na África, em 2008, em regiões devastadas por conflitos e guerras. “É o símbolo de uma França curiosa, que quer olhar para o Brasil”, resume Anne Louyot.
A programação destaca também as influências africanas na cultura francesa. Em agosto, começa uma retrospectiva dos “50 Anos de Cinema da África Francófona”, em São Luis do Maranhão. O Festival de Angoulême das músicas mestiças se instala em Salvador a partir de novembro, aproveitando para criar o primeiro centro mundial de músicas negras na capital baiana.
Esta vontade de exportar uma imagem mais “moderna” e multiétnica é também o resultado das tensões que tomaram conta das periferias francesas a partir de novembro 2005. Na época, a morte acidental de dois jovens franceses de origem estrangeira, eletrocutados quando tentavam se esconder da polícia, desencadeou uma onda de violência inédita no país. O episódio ilustrou o mal-estar de toda uma geração de filhos de imigrantes africanos e árabes, tal como a exclusão social, nesses bairros esquecidos pelo poder público.
Ciências e economia
Se a programação cultural é a mais visível, a curadora geral do Ano da França quer insistir sobre a importância da parte científica, com a reunião mundial dos Institutos Pasteur em outubro, entre outros eventos. O College de France vai realizar, por exemplo, um ciclo de conferências entre Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
O braço econômico é também ambicioso. Mais de dois milhões de euros foram gastos para organizar 30 ações nas principais cidades brasileiras, para o que seria a maior mobilização na história das relações comerciais entre os países. “Apesar da crise econômica, as empresas parecem cada vez mais interessadas”, constata Anne Louyot. Ela interpreta o movimento dizendo que o Brasil parece resistir melhor à morosidade mundial: “De repente, os empresários percebem que, enquanto as coisas estão paralisadas na Europa, aqui há um mercado grande e dinâmico”.
Das 157 Missões Econômicas no mundo – as estruturas encarregadas de ajudar as empresas francesas a exportar e investir fora do país –, a de São Paulo teve os melhores resultados em 2008.
Confira a programação completa.
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