O escritor Eduardo Galeano afirmou nesta terça-feira (27/09), em Buenos Aires, que os militares da ONU (Organização das Nações Unidas) no Haiti são “salvadores armados que têm certa tendência a violar, matar e contagiar com pestes mortais”. Segundo ele, a forças da Missão de Paz para a Estabilização do Haiti (Minustah) estão, há mais de sete anos, “desajudando e desestabilizando este país que não quer uma ocupação e que não precisa que ninguém de fora multiplique suas calamidades”.
Em um debate promovido na capital argentina em comemoração ao bicentenário da independência, que contou a presença do economista haitiano Camille Chalmers e do
subsecretário de política latino-americana da chancelaria argentina, Luis María Sobrón, o uruguaio lamentou que as centenas de milhões de dólares gastos por ano pela ONU no Haiti não sejam destinados à cooperação técnica e à solidariedade social.
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“O exército de vários países, incluindo o meu e o de vocês [argentinos], continuam ocupando o Haiti. Como se justifica este investimento militar? Alegando que o Haiti põe em perigo a segurança internacional. Nada de novo”, disse ele, mencionando o medo das rebeliões que livraram o país da escravidão em no século XIX e as consecutivas ocupações militares do país a partir de então.
Galeano ressaltou que o Haiti precisa de médicos, escolas e hospitais, ao invés de presença militar. “Uma colaboração verdadeira que faça possível o renascimento de sua soberania libertária, assassinada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), pelo Banco Mundial e outras ‘sociedades filantrópicas’”. Para o uruguaio a solidariedade latino-americana “é um dever de gratidão”. “Será a melhor maneira de dizer obrigada a esta pequena grande nação, que nos abriu as portas da liberdade”, afirmou.
Haiti e a escravidão
O escritor lamentou ainda que o Haiti não seja conhecido “pelo talento de seus artistas, nem por suas façanhas históricas, na guerra contra a escravidão e contra a opressão colonial”. Para ele, o país ganhou destaque na imprensa mundial somente em 2010, com o terremoto. “Vale a pena repetir uma vez mais para que os surdos escutem: o Haiti foi o fundador da independência da América e o primeiro que derrotou a escravidão no mundo. Por isso merece muito mais que a fugaz notoriedade adquirida por sua desgraça”.
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Segundo ele, a Europa “nunca perdoou a humilhação” de os negros escravos do Haiti tenham derrotado o primeiro exército de Napoleão Bonaparte. Por esta razão, o país “pagou à França, durante um século e meio, uma indenização gigantesca por ser culpado de sua liberdade”. Taxativo, afirmou: “E nem sequer isso conseguiu: aquela insolência negra continua doendo nos brancos amos do mundo”.
O escritor recordou também das afirmações do predicador evangélico norte-americano Pat Robertson, após o terremoto que assolou o país em janeiro do ano passado: “Esse pastor de almas deduziu que os negros haitianos conquistaram a independência a partir de uma cerimônia vudú celebrada no meio da floresta, invocando a ajuda do diabo”. Para Robertson, ex-candidato à presidência dos EUA, o suposto “pacto com o demônio” seria o responsável não só pelo terremoto, mas por todas as desgraças sofridas pelo país caribenho ao longo dos anos.
O historiador também discorreu sobre as tentativas de erradicação do vodu haitiano, considerado como uma superstição pela igreja católica, “da qual não faltam fiéis capazes de vender unhas de santos e penas do arcanjo Gabriel”. “Essas seitas evangélicas vêm dos EUA, país que não tem fila 13 nos aviões, nem andar 13 nos edifícios, e a maioria dos cristãos civilizados acreditam que deus fez o mundo em uma semana, nem um dia mais, nem um dia menos”, ironizou.
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