Atualizada em 12.mar, às 13h29
Foi retomado nesta sexta-feira (11/03) o julgamento de Reinhold Hanning, ex-guarda do campo de concentração de Auschwitz, acusado de ser cúmplice do homícidio de cerca de 170 mil pessoas. O processo contra Hanning faz parte de uma nova estratégia da Justiça alemã de expandir o círculo de responsáveis pelo Holocausto.
Tsalproject/FlickrCC
Entrada do campo de Auschwitz onde se lê “O trabalho liberta” (em tradução livre)
Na audiência desta tarde o júri ouviu Jakob Wendel, que também foi guarda em Auschwitz mas não conheceu Hanning pessoalmente. No entanto, segundo Wendel, qualquer um que tenha passado “pelo menos um ano no campo [período de tempo que Hanning trabalhou como guarda] sabia o que estava acontecendo”.
“Nós sabíamos das câmaras de gás, sabíamos o que acontecia lá dentro”. O ex-guarda descreveu o momento em que os trens chegavam em Auschwitz com os judeus e outros perseguidos pelo nazismo que eram depois conduzidos às câmaras de gás e cujos corpos eram em seguida levados ao crematório.
Não foram divulgadas quais serão as próximas etapas do julgamento, que ainda deverá ouvir outras testemunhas antes do depoimento de Hanning. Também não foi informada a data da próxima audiência.
Julgamentos de ex-nazistas
Até 2009, a única forma de conseguir uma condenação para ex-nazistas era provar, de fato, que o acusado tinha sido responsável pela morte de uma vítima individual. Essa premissa foi alterada após o julgamento do guarda do campo de extermínio de Sobibor, John Demjanjuk, condenado a cinco anos de prisão por ter facilitado o assassinato de pessoas devido ao seu trabalho no campo.
Agência Efe
Reinhold Hanning durante audiência nesta sexta
“Esta nova estratégia neste julgamento tem a intenção de enxergar Auschwitz como um campo de extermínio que não só assassinou pessoas por meio de câmaras de gás, mas também por meio da fome e de execuções aleatórias”, argumentou o advogado Cornelius Nestler, que representa os sobreviventes, quando o julgamento teve início, em 11 de fevereiro deste ano.
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Contra Hanning, contudo, não existe nenhuma prova de que ele tenha cometido um ato criminoso preciso. Ele é acusado de ter feito parte do “funcionamento interno” do campo de Auschwitz, onde cerca de 1,1 milhão de pessoas foram mortas, sendo a maioria judeus.
Hanning já admitiu ter trabalhado como guarda no campo, porém negou estar e
nvolvido nos homicídios em massa. Cada audiência terá uma duração máxima de duas horas, devido à idade do acusado, que enfrenta uma possível pena de três a 15 anos de prisão.
Outros três ex-guardas da SS, dois homens e uma mulher, também deverão ser julgados nos próximos meses.
Quem foi Reinhold Hanning?
Hanning nasceu em 28 de dezembro de 1921, na cidade de Helpup, na Alemanha, e trabalhou numa fábrica de bicicletas antes de se juntar ao Exército alemão, em 1940. Ele entrou nas Waffen SS – a unidade de elite de Hitler – e acabou sendo transferido para Auschwitz, na Polônia ocupada, em 1942, onde supervisionava a chegada dos detentos.
Entre janeiro de 1943 e junho de 1944, Hanning fez parte da “seleção” de detentos como guarda. A “seleção” era um processo feito esporadicamente para selecionar quem iria trabalhar e quem seria enviado às câmaras de gás. Durante o período em que Hanning esteve em Auschwitz, menos 25% dos que chegavam eram escolhidos para trabalhar.
Depois que o conflito acabou, o ex-guarda passou um tempo como prisioneiro de guerra no Reino Unido antes de retornar à Alemanha.
Milan Boers/FlickrCC
O que restou de uma das câmaras de gás de Auschwitz, onde mais de 1,1 milhão de pessoas foram mortas
Sobreviventes de Auschwitz
Jason Sonder, de 90 anos, é um dos sobreviventes do campo de extermínio de Auschwitz. Ele afirma ter passado por 17 “seleções” durante o tempo que esteve no local. Além disso, diz ter perdido 22 membros de sua família para o regime nazista.
“A cada quatro ou cinco semanas, os soldados da SS gritavam ‘Seleção!’ dentro dos quartos e você tinha que tirar toda a sua roupa. Todos aqueles homens nus ficavam lá de pé e pensavam, ‘Será que vou conseguir mais uma vez ou estarei morto nas próximas quatro horas?’. Se você sabe que nas próximas horas estará morto, você vai à loucura”, descreveu Sonder.
“Este julgamento deveria ter sido realizado há 40 ou 50 anos. Mas nunca é tarde para reviver o que ocorreu”, afirmou ele às vésperas da primeira etapa do julgamento de Hanning.
Para Angela Orosz Richt-Bein, que nasceu em Auschwitz durante a Segunda Guerra, foram pessoas como Hanning que “tornaram o inferno possível: pessoas que viraram o rosto ou tomaram parte de alguma forma sem fazer perguntas”, disse ela ao jornal britânico The Guardian na primeira etapa do julgamento.